Já que agora falar do Irã virou moda (não pelos melhores motivos, é fato), vamos retomar nossa velha e querida seção de História para que os 123 seguidores deste espaço possam argumentar com mais profundidade sobre (mais um) imbróglio que se desenrola na antiga Pérsia.
Assim como quase tudo no Oriente, a história do Irã representa milênios de uma civilização única. Conhecido como Pérsia até 1935 – ou seja, até ontem, em padrões cronológicos -, o território por ele representado sobreviveu às conquistas de Alexandre, o Grande, às invasões árabes, aos turcos e até os mongóis. Durante todo esse tempo, mantiveram a língua e a rica cultura como manifestações concretas da identidade nacional. No grande cisma do islamismo, escolheram abraças o xiismo contra o sunismo no século XVI, já que o sunismo era expressão de outro grande império da época, o Império Otomano.
O problema, como você mesmo pode intuir, foi quando descobriram que em suas terras havia petróleo. Aí a porca entortou o rabo. Rússia e Reino Unido, duas grandes potências do começo do século XX, dividiram o território persa em duas zonas de influência, passando por cima das autoridades locais. Com o fim da II Guerra Mundial, a débâcle da Grã-Bretanha devastada pelo bombardeio alemão acabou precipitando um processo de independência em toda a região. O Irã, obviamente, não fugiu à regra.
Governado desde antes da independência por uma dinastia política que tentava se vincular à herança do antigo Império persa, assumiu como primeiro-ministro do Irã, em 1951, um sujeito chamado Mohammad Mossadegh. No contexto dos anos 50, nacionalizar as empresas de petróleo era a vibe (não nos esqueçamos da nossa famosa campanha O Petróleo é Nosso!, da mesma época). No caso dos países do Oriente Médio, tratava-se não só de uma moda, mas de uma questão de sobrevivência. Mossadegh entendeu bem isso e partiu para nacionalizar a Anglo-Persian Oil Company.
Como vocês podem imaginar, os britânicos não gostaram muito da idéia. Ajudados pelos Estados Unidos, o Reino Unido impôs um bloqueio econômico ao país. Como desgraça pouca é bobagem, os dois serviços secretos anglófonos – CIA e MI6 – arquitetaram um golpe de Estado em 1953. A idéia foi a de sempre: semear o caos para, no meio da confusão, dar um golpe. Maquiavelicamente, o plano deu super certo. Mossadegh foi preso e, em seu lugar, o xá Reza Pahlevi deixou de ser rainha. da Inglaterra e passou a ser ditador de facto do país, embora todo mundo soubesse que o xá era apenas uma figura teleguiada a partir de Londres e Washington.
À primeira vista, a chamada “Revolução Branca” parecia popular. O xá aboliu o véu imposto às mulheres pela lei islâmica, permitiu-lhes a educação e – suprema heresia – até o trabalho. Nos porões do regime, contudo, o pau comia. Gente que ficou de fora da festa, assim como os conservadores islâmicos, não ficaram nada satisfeitos com essa “ocidentalização” do povo persa.
Para piorar, o xá achou que seria uma boa gastar a grana do petróleo numa festa para comemorar os “2500 anos do Império Persa” (essa, pelo menos, era a propaganda e a justificativa oficial do banquete). Com menu concebido pelo Maxim’s de Paris, o xá organizou aquele que viria a ser conhecido como maior regabofe da história. 15 mil árvores foram importadas da França, enquanto 50 mil pássaros trazidos da Europa para ornamentar a festa morreriam dias depois sob o intenso calor de Teerã. Convidados do mundo inteiro puderam se deliciar com faisão recheado com foie gras e trufas frescas da Provence, enquanto bebiam Château Lafite 1945 e champagne Dom Pérignon 1959.
Com o tempo, a raiva foi se acumulando até que, em 1979, uma revolução pôs abaixo a ditadura do xá. Em seu lugar, assumiu outra ditadura (ou uma teocracia, como queiram), liderada por um clérigo xiita que vivia no exílio: o aiatolá Khomeini.
A Revolução Islâmica teve como alvo, claro, o “Grande Satã”, também conhecido como “Estados Unidos da América”. Quando os americanos aceitaram receber o xá exilado para um tratamento médico em Nova York, o caldo entornou de vez. Khomeini tocou as trombetas, denunciando o recebimento de Pahlevi como parte de uma conspirata visando a um futuro novo golpe no Irã. Em fúria, alguns estudantes e rebelados – convenientemente não reprimidos pelas forças policiais iranianas – invadiram a embaixada norte-americana em Teerã. Tinha início a crise que culminou com o esgarçamento definitivo das relações entre Estados Unidos e Irã.
Os iranianos diziam que só libertariam os reféns caso os Estados Unidos deportassem Pahlevi para ser julgado no Irã. Alguns funcionários da embaixada conseguiram fugir. Algum tempo depois, eles foram repatriados às escondidas, numa operação retratada de forma alegórica no filme Argo. Os reféns restantes permaneceram presos na embaixada. A crise foi tão grande que fulminou a campanha à reeleição de Jimmy Carter. O acordo para libertação dos reféns só foi assinado dois anos depois, em 1981, já com Ronald Reagan como inquilino da Casa Branca.
Nesse meio tempo, como forma de vingança, os americanos acharam que seria uma boa idéia apoiar um país vizinho, de maioria sunita, para lutar contra o Irã. Seu presidente? Um sujeito chamado Saddam Hussein. Nascia, assim, a Guerra Irã-Iraque, que duraria oito anos (1980-1988) e custaria um milhão de mortos. Dois anos depois, endividado e embriagado pelo poder de ter se tornado a maior potência bélica da região, Saddam usaria as mesmas armas fornecidas pelos americanos para invadir o Kwait. A Guerra do Golfo não foi a mais sangrenta, mas provavelmente foi a mais irônica da história moderna.
De lá pra cá, toda a vez que os americanos resolveram meter o dedo no Oriente Médio, o resultado foi desastre. Foi assim com a invasão do Iraque. Foi assim com a invasão do Afeganistão. Vinte anos depois, os americanos parecem não ter aprendido nada. Só isso explica o bombardeio às instalações nucleares iranianas. Não importa que tenham feito isso para supostamente “salvar” Israel da ameaça atômica. Nenhuma paz é possível ou sustentável se for montada com base na força das baionetas. Somente um acordo que permita aos iranianos levantarem as sanções econômicas mediante o compromisso de inspeção de suas instalações nucleares pode resultar numa paz duradoura. Com os bombardeios da semana passada, tudo isso está mais longe.
Nesse contexto, é curioso observar que persas e judeus – hoje inimigos declarados – fazem parte da história um do outro, e não de uma forma desagradável. Afinal, foi Ciro, o rei da Pérsia, que entrou para a história – inclusive bíblica – como herói dos judeus, ao libertá-los do cativeiro da Babilônia.
Como diria Morpheus: fate, it seems, is not without a sense of irony.