Mais rápido do que muita gente poderia imaginar, anteontem se encerrou a fase oral da instrução processual penal relativa à tentativa de golpe de Estado pela qual passou o Brasil. Um a um, os sete réus identificados como “cabeças” da conspiração golpista foram ouvidos por Alexandre “Xandão” de Moraes. Numa providência até então inédita em processos em geral (ainda mais em se tratando de Supremo Tribunal Federal), todos os depoimentos foram acompanhados ao vivo pela população. Esse ineditismo só é superado pelo fato de, pela primeira vez em nossa história, vermos generais de várias estrelas sentados no banco dos réus por conspirarem contra a democracia brasileira.
Graças ao televisionamento simultâneo dos interrogatórios, o povo brasileiro pôde assistir, ao vivo e em cores, a fragilidade das defesas apresentadas por eles. Numa bateção de cabeça sem fim, os réus entraram em contradição diversas vezes. Houve até momentos de briga entre os acusados e seus próprios advogados, o que – cortesia dos meses da Internet – transformou-se no alívio cômico de um processo tão sério.
Do ponto de vista político, a transmissão ao vivo dos depoimentos serviu a vários propósitos.
O primeiro deles foi expor, de maneira clara e incontestável, o quão próximos estivemos de um golpe de Estado consumado. Faltou pouco, muito pouco mesmo, para o que o Brasil se precipitasse numa nova noite que, assim como aquela do dia 31 de março de 1964, lançaria o país numa ditadura que duraria uns vinte anos.
O segundo foi demonstrar, mais uma vez, a covardia inata dessa galera. “Tigrões” quando ocupavam cargos públicos, todos eles se mostraram verdadeiras “tchuchucas” quando colocados frente a frente com Xandão. Os inúmeros pedidos de “desculpas” serviram apenas para demonstrar o ridículo dos seus caracteres. O fato de Bolsonaro ter “convidado” Xandão” para ser seu vice numa impossível chapa ano que vem – afinal, o “Mito” está inelegível – adicionou apenas escárnio à mistura.
Do ponto de vista processual, o jogo já está jogado. Com as provas até aqui recolhidas, corroboradas pelo depoimento dos próprios réus, estabeleceu-se à margem de qualquer dúvida que:
1 – Bolsonaro ficou inconformado com a derrota para Lula;
2 – Diante da negativa do TSE, foi buscar nas Forças Armadas o apoio para medidas que, de algum modo, pudessem reverter a derrota eleitoral;
3 – Em reuniões no Palácio da Alvorada, foi apresentada a minuta do golpe com seus “considerandos” aos três comandantes das Forças;
4 – Com a ausência de unanimidade entre eles, os réus teriam verificado não haver nem “clima” (General Heleno) nem “base minimamente sólida” (Jair Bolsonaro) para uma virada de mesa.
Todos esses fatos são incontroversos. A única “discussão” aqui é saber que tipo de enquadramento jurídico se pode dar a eles. Para os golpistas e seus advogados, a tentativa de golpe teria ficado circunscrita à cogitação. Afinal, segundo eles, não houve “tanque na rua”.
Quem acompanha o Blog há mais tempo, porém, sabe muito bem que, pelo menos na opinião deste que vos escreve, todo o iter criminis para a consumação do crime de tentativa de golpe de Estado foi percorrido (conferir aqui e aqui). Conforme explicado aqui, esse tipo penal se consuma com a mera tentativa. Afinal, se houver de fato um golpe de Estado, quem é que vai julgar os golpistas vitoriosos?
Veja-se que tão bizarra é a “linha de defesa” de Bolsonaro e seus asseclas que a nenhum deles ocorreu inventar qualquer justificativa para uma pergunta óbvia: se de fato os réus estavam em busca de uma saída “dentro das quatro linhas da Constituição” para reverter a derrota eleitoral, por que os chefes das Forças Armadas foram convocados ao Alvorada? Se a idéia era fazer algo “dentro da legalidade”, não seria mais lógico chamar o chefe da AGU ou algum ministro do Supremo amigo para opinar? Ou algum dos comandantes das Forças era doutor em direito constitucional?
Isso, porém, não foi o que mais impressionou nos depoimentos. O que mais impressionou foi verificar, in loco, o grau de indigência intelectual da cúpula golpista. Gente que ocupou algumas das cadeiras mais nobres e importantes da República demonstrava clara dificuldade de concatenar um raciocínio mínimo. Não se trata nem de saber se o Tico e o Teco conversavam entre si. Era como se o organismo tentasse a todo instante bloquear as sinapses nos cérebros dos réus, na vã esperança de conter a dor que elas provocavam. Se o golpe não deu certo, boa parte disso se deve ao fato de que ele foi arquitetado por gente burra, manifestamente burra.
Longe de ser engraçada, essa constatação deveria convidar a uma triste reflexão:
Se essa gente tão despreparada intelectualmente conseguiu levar o país à beira do precipício, o que conseguiria uma galera que fosse só um pouquinho mais inteligente?