Double down, ou As possíveis sanções contra Xandão

No jogo de Blackjack (ou 21, para quem joga o carteado em português), existe a possibilidade de você dobrar a aposta sempre que receber duas cartas iguais em sequência. Por exemplo: se eu receber dois valetes (que valem 10 pontos cada um), eu posso dobrar a aposta. Ao invés de vinte pontos – dois valetes x 2 – eu fico com duas apostas, cada uma com um valete (10 pontos). Se tudo der certo, eu ganho o dobro do que eu apostei inicialmente. Se der errado, porém, fico a ver navios.

Da mesa verde dos cassinos para a língua inglesa, a expressão double down acabou ganhando os contornos de um coringa, sendo utilizada toda vez que alguém, diante de um obstáculo superveniente, resolve seguir em frente no matter what. Não se trata apenas de insistir, mas de seguir com a estratégia inicial mesmo sabendo que as chances contra você aumentaram. Por isso mesmo, toda vez que a expressão estiver sendo utilizada, tenha certeza de que alguém está correndo riscos cada vez maiores. Tal é a sensação de quem observa de longe o que está a se passar com as “sanções” norte-americanas propagandeadas por Eduardo Bolsonaro.

Pra começo de conversa, diga-se o óbvio: é evidente que o famoso “Bananinha” arrota uma influência muito maior do que aquela que realmente tem com o governo de Donald Trump. O Laranjão pode até ser doido, mas burro definitivamente não é. E parece claro que ele não compraria uma potencial briga com o governo brasileiro apenas por razões de solidariedade a quem quer que seja, muito menos alguém que sempre se mostrou tão subserviente a ele quanto Jair Bolsonaro. Se as tais sanções contra “autoridades ou cúmplices de censura” estão de fato sendo articuladas contra Alexandre “Xandão” de Moraes, pode estar certo de que há algum poderoso interesse financeiro por trás.

Mas de quem?

A suspeita mais evidente recai sobre Elon Musk, até ontem membro do tal do “Departamento de Eficiência Governamental” do Nero Laranja. Se não ele, as demais big techs que movimentam milhões através das redes anti-sociais. Não se descarte sequer que estejam todos eles envolvidos, dada a comunhão de interesses.

Interesses de quê?

Por trás de cada clique e de cada postagem que o algoritmo das redes sociais mostra a você, encontra-se escondida uma razão monetária. Saber os gostos e o que atrai a atenção do público é o ouro que movimenta a máquina desses instrumentos de “zumbificação” do ser humano. São esses dados que empresas como Meta, Google e Twitter vendem para outras empresas, visando a uma propaganda mais direta e, portanto, mais eficiente e mais rentável. É aquela velha história: se você não precisa pagar pelo serviço, então você é a mercadoria que está sendo consumida.

No meio dessa batalha, o STF encontra-se na linha de frente do embate do Estado brasileiro contra os algoritmos das redes anti-sociais. Uma vez que o Congresso se recusa a legislar sobre o tema, impondo barreiras à terra sem lei que vigora nesses ambientes, o Supremo já avisou, por mais de uma, que, caso o Congresso permaneça omisso, ele mesmo vai interpretar o Marco Civil da Internet para tentar pôr ordem no galinheiro.

Não por acaso, depois do anúncio das tais “sanções”, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, marcou para semana que vem o julgamento da ação sobre o caso. Parece evidente, portanto, que o movimento do Departamento de Estado norte-americano não passa de uma tentativa de pressionar o Supremo a deixar tudo como está, sem amarras que possam dificultar os negócios que as big techs promovem nas redes. Resta saber, contudo, até onde o governo do Laranjão está disposto a ir nessa contenda.

Se Donald Trump realmente quiser usar Xandão como “exemplo” – o que, por via indireta, serviria aos propósitos do bolsonarismo – não é preciso ser nenhum gênio para imaginar que tal medida seria uma estupidez. Assim como na física, a cada ação corresponde uma reação de igual força e direção, mas de sentido contrário. Além da defesa da democracia, o Laranjão estaria dando de presente ao governo do presidente Lula a defesa patriótica da soberania nacional, violada pela tentativa indevida de ingerência por uma potência estrangeira. Não custa lembrar que Trump comprou brigas eleitorais contra o governo do Canadá (e perdeu) e contra o da Austrália (perdeu de novo). Não há nenhuma razão para imaginar que aqui seria diferente.

Para além disso, seria até engraçado ver a hipocrisia da defesa da “liberdade de expressão” por essas figuras quando se sabe que os Estados Unidos estão a expulsar estudantes estrangeiros das universidades que se negam a rezar pela cartilha trumpista. Querem “punir” autoridades estrangeiras por “censura” ao mesmo tempo em que negam a entrada de turistas em cujas redes sociais existam críticas ao Nero dos nossos tempos. So much for free speech defense.

Seja como for, o Brasil deve estar preparado para reagir à altura caso essa tentativa de intimidação de fato se materialize. Apesar de parecer, o Brasil não é uma República de Bananas, sujeita à ingerência de um pretendente a autocrata, que pretende dar lições de democracia enquanto desmonta os instrumentos de freios e contrapesos dentro da sua própria casa. O que está em jogo não é o Xandão. O que está em jogo não é nem sequer o STF.

O que está em jogo é a dignidade do Estado brasileiro.

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