Recordar é viver: “O terrorismo bolsonarista, ou Até quando perdurará a desfaçatez no cenário político?”

Seis meses depois, a mesma pergunta bóia no ar.

Agora, depois do áudio de Wladimir Soares dizendo que ia “matar meio mundo”, o silêncio que marca essa desfaçatez deixou de ser apenas constrangedor. Passou a ser, também, ofensivo.

É o que você vai entender, lendo.

O terrorismo bolsonarista, ou Até quando perdurará a desfaçatez no cenário político

Publicado originalmente em 20.11.24

Eu sei, eu sei. Se tem algo que quem frequenta o Blog está cansado de ler é a respeito de Jair Bolsonaro e sua trupe de golpistas. Entretanto, dois acontecimentos nestes últimos dias obrigam-me a voltar ao assunto, nem que seja apenas para dizer que estamos longe do terreno do “mais do mesmo”. Como diria algum torcedor desavisado do Urubu, o golpismo brasileiro “mudou de patamar”.

Não que isso fosse de todo inesperado, deixemos claro. Quem acompanha o Dando a cara a tapa há algum tempo sabe que o bolsonarismo é, antes de tudo, um fenômeno psicológico. Através da manipulação do ressentimento alheio, o bolsonarismo contrói uma massa fanatizada capaz de ignorar toda e qualquer evidência contra o seu “mito”. A culpa sempre recai sobre o “comunismo”, sobre o “sistema” ou algo que o valha. Daí para vermos um homem se explodindo em favor da “causa” é apenas um pulo.

Curiosamente, os mesmos “cristãos conservadores” que adoram condenar – com razão – os atentados terroristas praticados por suicidas islâmicos guardaram obsequioso silêncio sobre o terrorista do STF. Não se ouviu sequer palavra a respeito do suicídio como ato atentatório à vontade divina, doutrina estabelecida na Igreja Católica há mais de mil anos. Talvez para essa gente exista um “terrorismo justificável”, ou até mesmo um “terrorismo bom”, desde que seja para atingir os alvos que eles queiram.

Isso, porém, não foi o mais grave. O pior foi a revelação da denominada “Operação Punhal Verde-Amarelo”. De acordo com as investigações da PF, um grupo de militares formados nas Forças Especiais (os agora famosos “Kids Pretos”) havia planejado, com riqueza de detalhes, o sequestro e assassinato do presidente eleito (Lula), do seu vice (Alckmin) e do algoz-mor dos bolsonaristas (Alexandre “Xandão” de Moraes).

Nunca antes na história deste país o golpismo presente em setores das Forças Armadas chegou tão longe. Se antes os golpes eram resolvidos com prisões e/ou exílios, dessa vez o que estava em curso era uma carnificina geral, gerida e observada – segundo a PF – por Walter Braga Netto, vice do candidato derrotado, Jair Bolsonaro. A coisa foi tão violentamente constrangedora que detonou um verdadeiro processo de barata-voa nessa tal de “direita brasileira”. Sem ter o que dizer, a melhor “defesa” foi arquitetada por Flávio “Rachadinha” Bolsonaro. Segundo ele, como o intento não foi levado a cabo, o delito não teria se consumado, ficando a questão resolvida pela impossibilidade de punição da cogitação.

Esse raciocínio só faria sentido se estivéssemos a tratar de um “simples” caso de triplo homicídio qualificado. Mas o crime em questão não se refere somente ao assassínio de três pessoas. Trata-se de arquitetar a morte de três autoridades visando à consumação de um golpe de Estado, através do qual se manteria Jair Bolsonaro no poder. Conforme foi explicado aqui, no caso de derrubada da ordem democrática, o Código Penal considera consumado o crime com a mera tentativa da ação. Afinal, se ela vier a ser consumada, golpe haverá e, consequentemente, não haverá punição.

Nessa hipótese, tendo o grupo: organizado o plano; imprimido-o; ocultado evidências da ação criminosa; reunido recursos públicos para financiar a empreitada; deslocado agentes para executá-lo; e somente não o terem praticado por circunstâncias alheias à sua vontade (a sessão do STF em que Xandão seria sequestrado fora cancelada); não resta dúvida de que os agentes participaram de uma tentativa de golpe de Estado.

Explicados os pormenores jurídicos, falta resolver a questão do ponto de vista político. Já passou da hora da imprensa e dos partidos do autodenominado “Centrão” serem chamados às falas para dizer o que pensam sobre o terrorismo bolsonarista. Vão dizer o quê? Que isso tudo é normal? Que lançar bombas ou planejar matar autoridades faz parte da “polarização política”? Ou vão continuar fazendo a egípcia e fingindo que isso tudo não é com eles?

Que dirá, em primeiro lugar, Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro? Que dirá, em segundo lugar, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, que se abraçaram ao bolsonarismo no segundo turno de 2022 porque “essa opção era melhor do que o PT”? Que dirá, por fim, Tarcísio de Freitas, a quem parte da imprensa insiste em chamar de “bolsonarista moderado” (risos)?

A gravidade dos últimos acontecimentos retirou o espaço de manobra de que parte dessa galera dispunha para desfilar a sua desfaçatez. Na famosa equação da “falsa equivalência”, eles sempre pretenderam justificar seu apoio a gente manifestamente golpista sob o pretexto de que, do outro lado, também havia “extremistas”. Nem nunca o PT planejou um golpe de Estado, nem nunca houve petista tentando explodir ministro ou assassinar o Presidente. Se antes essa desculpa só colava com gente mal informada, agora nem isso mais será permitido.

Ou o Brasil impõe a essa gente renegar, de forma expressa e incondicional, o terrorismo e o golpismo que ainda vicejam no bolsonarismo e em seus apoiadores; ou daqui a pouco veremos tudo isso normalizado sob o pálio manto das duas perguntas mais cínicas que o charlatanismo político brasileiro foi capaz de produzir:

“E o Lula, hein?!? E o PT?!?”

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