O conclave de 2025

Extra omnes!

Com essas palavras, o arcebispo Diego Ravelli, mestre de cerimônias litúrgicas do Vaticano, deu início oficial ao conclave que definirá o sucessor do Papa Francisco. Depois de aproximadamente dez dias de reuniões entre os cardeais (fase de grupos), o Sacro Colégio Cardinalício passa à eleição propriamente dita (fase de mata-mata).

Conforme já foi escrito aqui uma porção de vezes, uma das coisas mais estúpidas que existe é tentar prever o desfecho de um conclave. Embora oficialmente a decisão sobre o novo Bispo de Roma caiba ao Espírito Santo, o fato é que quem vota para elegê-lo são pessoas de carne e osso, com as mesmas idiossincrasias dos meros mortais. Assim como numa sala de aula, onde alunos aproximam-se e formam panelinhas – e estas às vezes brigam entre si -, também no colégio de cardeais sucede coisa semelhante. Claro que ninguém imagina purpurados vestindo túnicas saindo na porrada para decidir o novo monarca teocrático da Igreja Católica. Mas é pura ilusão pensar que não correm ali golpes abaixo da linha da cintura, visando a favorecer a um ou a outro cardeal.

Em todos os tempos, o colégio de cardeais costuma se dividir em dois grandes grupos: um, de caráter conservador, que busca preservar as tradições mais antigas do catolicismo (incluindo, por exemplo, a missa rezada em latim); e outro, mais liberal, que busca adaptar e “modernizar” os costumes católicos aos novos tempos. Cada um desses lados tem uma espécie de “líder”, mas quase nunca um desses grupos consegue formar uma maioria clara.

Por isso mesmo, não é raro ver esses “líderes” lançando cardeais como uma espécie de “bucha de canhão”, porque sabem que não conseguiriam eles mesmos os votos para se elegerem. Teria sido o caso, aliás, do próprio Bergoglio em 2005, quando Carlo Maria Martini (liberal) sabia não ter forças para bater o líder conservador (Joseph Ratzinger). E há, inclusive, casos em que, de tanta briga, os cardeais mais moderados ficam de saco cheio e acabam elegendo uma espécie de “terceira via”. Para ficar nos dois exemplos mais “próximos”:

Em agosto de 1978, depois da morte de Paulo VI, os cardeais se reuniram para escolher um novo sumo pontífice. Do lado dos conservadores, o “líder” era Giuseppe Siri. Arcebispo de Gênova, ele concorrera contra o próprio Paulo VI (o então arcebispo de Milão, Giovanni Batista Montini) no conclave de 1963. Do lado dos “liberais”, estava o arcebispo de Florença, Giovanni Benelli.

Como Benelli achasse que não conseguiria formar maioria para se eleger, lançou como candidato do seu grupo o simpático patriarca de Veneza, Albino Luciani. Como fazia um calor insuportável no verão de Roma e a Sistina não dispõe de ar condicionado, em somente dois dias e quatro votações os cardeais elegeram o papa João Paulo I. Com fama de ter a saúde frágil, João Paulo I tinha tudo para ser um “papa de transição”, isto é, alguém para esquentar a cadeira enquanto os grupos rivais se reorganizavam para um próximo conclave, ali não muito distante.

O que ninguém contava era que os mesmos cardeais regressariam à Capela Sistina pouco mais de dois meses depois. Após apenas 33 dias de papado, morria João Paulo I. Dessa vez, Benelli resolveu partir pro pau. Não delegou a ninguém a tarefa de sentar no Trono de Pedro. Com a mesma turma do conclave que elegeu João Paulo I, Benelli teria ficado a meros três votos dos 2/3 necessários na quinta votação. A turma dos conservadores resolveu tentar um acordo. Dariam os votos restantes para elegê-lo, contanto que ele nomeasse o líder deles, Siri, como Secretário de Estado (o “primeiro-ministro do Vaticano”).

Benelli renegou o acerto. Pode ser que tenha achado que a proposta era coisa do Capeta. Ou pode ter achado simplesmente que acabaria levando a eleição de qualquer modo, sem precisar compor com o grupo conservador. No dia seguinte, com três votações depois, os moderados – já sem paciência para essa disputa peninsular – acabaram se unindo aos conservadores para eleger uma “terceira via”: Karol Wojtyla, o primeiro papa não italiano em 500 anos.

Por isso mesmo, é inútil olhar a lista de “papáveis” organizados pelos “vaticanistas”. Numa lógica puramente eleitoral, o “favorito” seria Pietro Parolin, último Secretário de Estado de Francisco. No entanto, o fato de ele ter sido o arquiteto dos acordos secretos com o governo chinês, -que permitem uma “igreja oficial” na China, desde que os bispos sejam nomeados pelo Politburo – e ter “queimado a largada” e feito campanha ostensiva após a morte de Bergoglio podem fazer com que ele perca pontos entre os eleitores.

É inútil, também, olhar simplesmente para a “geografia” do Sacro Colégio Cardinalício e daí querer inferir possíveis apoios a um ou a outro cardeal. O guineense Robert Sarah, por exemplo, “estrela” dos conservadores, dificilmente contaria com o voto de Peter Turckson, de Gana, só pelo fato de ambos serem africanos. Turckson é um moderado com viés liberal.

Diante de todas essas variáveis insondáveis, o que é possível concluir?

Apesar de tudo nessa seara estar baseado mais em chute do que em previsão, é possível estimar que o conclave não será tão rápido como os últimos dois, que acabaram basicamente em um dia (no primeiro, há apenas uma votação inicial, quase simbólica, que é utilizada apenas para leitura de cenário entre os grupos). Isso porque os cardeais de agora pouco se conhecem e, embora Francisco tenha nomeado boa parte do Sacro Colégio Cardinalício, os conservadores têm votos suficientes para barrar a eleição de Parolin, por exemplo.

Em razão disso, é provável que entremos pelo terceiro dia de conclave, com muita fumaça preta antes de podermos enxergar a fumaça branca. Particularmente, se eu tivesse que chutar, diria que – assim como na eleição de Bergoglio – o próximo papa não será nenhum dos mais “óbvios favoritos” listados pelos vaticanistas. Diante de um conclave dividido, acredito que a saída de consenso seria eleger um cardeal italiano, da linha moderada, nem tão ligado a Parolin que pareça um testa de ferro, nem tão afastado dos “liberais” que pareça um conservador.

Seja como for, não devemos entrar no fim de semana com a Sé ainda vacante. Até a missa de domingo, teremos um novo papa. Que seja tão bom e santo quanto foi o último.

#Oremus

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