O “Admirável” Novo Mundo de Donald Trump, ou O fim de uma era geopolítica

Da onde menos se espera, daí é que não vem mesmo. Tal é o sentimento de quem assiste aos movimentos erráticos de Donald Trump nos últimos dias. À semelhança de um elefante numa loja de porcelanas, o Nero Laranja parece firme no propósito de desestruturar todo o sistema geopolítico estabelecido após o final da II Guerra Mundial. Para explicar melhor o tamanho da confusão em que o Laranjão está nos metendo, vamos voltar um pouquinho no tempo.

Desde antes da descoberta das Américas, as grandes potências do mundo – todas européias – digladiavam-se pelo domínio dos mares, dos continentes e, portanto, da riqueza produzida no globo. Nessa época, o mundo assistiu, sucessivamente, países como Portugal, Espanha ou Holanda brigando pelo monopólio do comércio de especiarias ou simplesmente pela produção do açúcar derivado da cana.

Com o tempo e o desenvolvimento de novas tecnologias, essa briga passou para outras coisas, como ouro e pedras preciosas. O pano de fundo, porém, continuava o mesmo: às potências coloniais importava dominar mais e mais territórios para, com isso, ganhar mais e mais dinheiro, que, por sua vez, financiaria o domínio de mais territórios. Foi com essa “metodologia”, por exemplo, que o Reino Unido tornou-se o “Império onde o sol não se põe”.

Obviamente, tudo isso não veio de graça. Uma vez que a “repartição” do mundo não se dava à margem de disputa entre as próprias potências, era essencial que elas se armassem até os dentes para enfrentar a oposição externa. Foi essa corrida armamentista que deu origem à I Guerra Mundial e, apenas vinte anos depois, à II Guerra Mundial.

O desmantelo causado pela segunda grande guerra foi tão gigantesco que as grandes potências vencedoras daquele conflito – Estados Unidos, de um lado, e União Soviética, do outro – resolveram que era preciso dar um basta nisso. Nas duas principais conferências realizadas após o fim da guerra – Yalta e Potsdam – definiu-se que o mundo seria basicamente dividido em duas zonas de influência: uma, comandada pelos americanos; outra, comandada pelos soviéticos.

Mas como essa ordem seria estruturada?

Simples: os países mais “problemáticos” – Alemanha e Japão – seriam literalmente ocupados, para que não se rearmassem e trouxessem caos de novo ao mundo. A Alemanha foi retalhada em quatro pedaços (EUA, França, Inglaterra e URSS). Já o Japão ficou sob domínio norte-americano até 1952, quando o chefe da ocupação, General Douglas MacArthur, outorgou a constituição pacifista que vigora até hoje em solo nipônico. O resto do planeta ficaria sob a proteção do bedel do seu lado (EUA ou URSS)

Obviamente, houve custos nesse rearranjo mundial. Para que nenhum desses estados se sentisse tentado a se rearmar com base na ameaça de uma invasão soviética, os americanos resolveram assumir o papel de “polícia do mundo”. Em caso de necessidade (uma invasão soviética, por exemplo), os americanos se comprometiam a entrar na parada para defendê-los. Daí as dezenas de bases americanas espalhadas pelo continente europeu e pela Ásia, inclusive com a instalação de mísseis nucleares, para fazer frente ao colosso soviético. Fora isso, criou-se um fórum mundial para discutir as coisas a nível diplomático – a famosa Organização das Nações Unidas –, de modo a pelo menos tentar evitar que o mundo se precipitasse novamente no abismo de um conflito mundial.

Pode-se reclamar da preponderância de apenas dois países e de muitas outras coisas nessa ordenação geopolítica. Um fato, porém, é incontestável: oitenta anos depois da rendição do Japão, nunca mais o mundo presenciou uma guerra a nível mundial. O que Trump está fazendo nos últimos dias, em resumo, é jogar tudo isso fora.

“Para colocar o quê no lugar?”

Ninguém sabe. Não se sabe sequer se o Laranjão possui alguma estratégia de fundo, para além da destruição pura e simples do atual sistema de governança global. Para quem olha de fora, parece simplesmente que o Nero dos nossos tempos quer simplesmente botar fogo no circo, tacar um VSF pro mundo e liberar o “cada um por si” geopolítico.

Os riscos dessa nova “era” parecem evidentes, mesmo para quem não entende bulhufas de geopolítica. Se a Rússia pode invadir um país menor em busca de expansão territorial e da posse de suas riquezas – e, ainda assim, sair impune e vitoriosa dessa empreitada -, o que impedirá, por exemplo, a China de tentar o mesmo com Taiwan? Até o último presidente norte-americano, havia a certeza de que os Estados Unidos viriam em socorro da “província rebelde” chinesa. Agora, quem pode dar essa garantia?

Sempre é bom lembrar que a metáfora da geopolítica como um “jogo de xadrez” global é bastante imprecisa. O mundo não é um tabuleiro dividido entre peças pretas e brancas. Cada “movimento” possui impactos diretos na vida do cidadão comum. As decisões que são tomadas nesse contexto vão muito além de um xeque para induzir o adversário em erro. Elas são capazes de alterar profundamente o modo como o futuro à nossa frente se constrói.

A idéia vendida por Trump de que os Estados Unidos vêm sempre em primeiro lugar e agora é cada um por si pode até render um bom slogan de campanha, mas pode muito bem voltar-se como um bumerangue contra os próprios interesses norte-americanos. Se ninguém pode mais confiar nos Estados Unidos como aliados, quem vai voltar a fazer negócio com eles? O tratamento ora dispensado a México e Canadá desaconselha qualquer país com o mínimo de senso a se aproximar dos americanos.

No fim das contas, as mudanças que Donald Trump está trazendo para a geopolítica não são só uma questão de política interna norte-americana. Assim como previsto aqui, elas são um sinal de que estamos entrando em uma nova era, de caos e desordem. E a pergunta que fica é: estamos preparados para essa nova ordem global?

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