Ano novo, vida velha. Eis o moto de quem acompanhou nesta semana o imbróglio envolvendo as mentiras e a campanha de desinformação relacionadas à edição de uma portaria da Receita Federal.
O caso era simples. Desde 2015, a Receita Federal acompanha as transações realizadas pelos cidadãos brasileiros. Todo TED, DOC ou transferência que ultrapassa R$ 2 mil, entra no radar do Leão. Emulando uma prática dos tempos da CPMF, a Receita consegue cruzar as informações de movimentação bancária com aquelas que constam na declaração de rendimentos do sujeito. O objetivo é óbvio: identificar eventuais sonegadores que movimentam uma quantia muito maior do que a que (não) declaram. O que a portaria da Receita fez foi somente elevar o patamar de fiscalização de R$ 2 mil para R$ 5 mil e estender às chamadas fintechs – os famosos bancos digitais – as mesmas obrigações impostas a todos os outros bancos.
Foi o que bastou para detonar uma verdadeira revolta digital contra o governo. Alimentada pelas mesmas figuras de sempre da esgotosfera bolsonarista, a oposição ao governo conseguiu transformar uma medida que, em tese, seria benéfica até para os sonegadores (pois o limite obrigatório para informar-se o Fisco subiria 150%) numa verdadeira ameaça aos pequenos empreendedores. No limite da hipocrisia, essa campanha de terror chegou a ameaçar até pipoqueiros e vendedores de cachorro quente, como se fosse atrás deles que a Receita estivesse quando cruzasse os dados de movimentação bancária da população. Como se isso não bastasse, a essa mixórdia acrescentaram outra mentira grosseira: a de que o governo tributaria as transações efetuadas por PIX.
O que se deveria fazer em um caso desses?
A resposta é óbvia até para quem não é formado em comunicação: ir pro pau. Vir a público e explicar a medida. Expor de forma didática ao distinto público tanto a mentira quanto a hipocrisia dos “cidadãos de bem” do bolsonarismo defendendo abertamente a sonegação fiscal – que, no final das contas, prejudica justamente quem mais precisa do governo. Quando se está em dúvida sobre o caminho a tomar, falar a verdade em regra é a conduta que traz os maiores retornos.
Mas aí o que faz o governo?
Depois de três dias rodando feito barata tonta, sem saber direito o que fazer, resolve capitular. A única coisa que seria inadmissível em um cenário como esse foi justamente aquela escolhida pelo governo: revogar a medida. Com isso, ofereceu-se de bandeja aos bolsonarista uma capitulação total e incondicional. Ao dar o dito pelo não dito, para todo o resto da população que não tem tempo nem saco para se deter em análises sobre normativos da Receita Federal, ficou a impressão de que, no fundo, a desconfiança disseminada pelas mentiras bolsonaristas tinha alguma razão de ser.
Na verdade, o que esse episódio expõe de maneira incontornável é uma crise de credibilidade. Não que isso seja novo, nem seja criação do PT. Para quem já viu estelionatos eleitorais como o confisco da poupança por Collor ou a desvalorização do Real de Fernando Henrique, há razões de sobra para enxergar o governo – qualquer governo – com desconfiança. Mas, quando um governo inteiro soçobra em razão de um vídeo de um moleque como Nikolas Ferreira, alguma coisa de muito errado está se passando dentro dele.
Seja lá qual for a razão para isso, o governo tem de correr – e rápido – para tentar reverter essa imagem de absoluto descrédito. Afinal, como ensinava uma antiga propaganda de automóvel, confiança é como estilo.
Ou você tem, ou você não tem…