Recordar é viver: “Walking a fine line, ou The worst case scenario”

Pouco mais de um ano depois, a triste constatação de que uma das condições já foi. Restam as outras duas. Que, a rigor, já se encontram mais ou menos encaminhadas.

É o que você vai entender, lendo.

Walking a fine line, ou The worst case scenario

Publicado originalmente em 2.8.23

Pois é, meus amigos.

Depois de três meses de virtual ausência deste espaço, eis que o dever me chama de volta ao batente para aporrinhá-los novamente com as mal alinhavadas linhas que costumo deitar por aqui.

É fato que muita coisa se passou desde maio passado até agora, mas, no essencial, tudo permanece como dantes no quartel de Abrantes. No cenário internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia segue mais ou menos na mesma, embora o levante relâmpago dos mercenários do Esquadrão Wagner tenha trincado a aura de invencibilidade que Vladimir Putin ostentava internamente.

No cenário nacional, salvo as intempéries típicas de um país que tem Brasília como capital, o marasmo tem imperado no geral. Levando-se em consideração os sobressaltos que tivemos durante os quatro anos de desgoverno bolsonarista, convenhamos, já é um grande avanço. E é justamente por aí que este que vos escreve pretende iniciar a faxina do Blog, removendo as teias de aranha que começavam a se insinuar nas quinas desta tela.

Lula da Silva assumiu pela terceira vez a cadeira de Presidente da República. Superando a tentativa de golpe do 8 de janeiro, Lula conseguiu até aqui tourear com sucesso o golpismo presente em setores das Forças Armadas, a ponto de os radicais estarem praticamente isolados na caserna. Prova maior disso é que ninguém nunca mais ouviu falar em aplicação do “artigo 142 da Constituição Federal“, uma excrescência golpista baseada no mais rasteiro e profundo terraplanismo jurídico.

Do lado da economia, Fernando Haddad também conseguiu driblar – até aqui, com sucesso – as diversas cascas de banana lançadas, em sua maioria, pela ala aloprada do PT. Com os cacoetes típicos de quem ainda acredita em coisas como “Brasil Grande” e “Nova Matriz Macroeconômica”, a ala mais radical do partido da estrela vermelha tentou sabotar de todas as maneiras o trabalho do “mais tucano dos petistas”. Mesmo assim, com muita habilidade, Haddad conseguiu escapar das minas plantadas em seu caminho, negociando com Lira e o Congresso a aprovação do arcabouço fiscal e da tão sonhada reforma tributária.

Enquanto isso, do lado político (e policial) dessa história, Jair Bolsonaro tornou-se inelegível por decisão do TSE. Não que isso fosse inesperado, muito pelo contrário; estranho seria se Xandão e Cia. não tivessem cassado a elegibilidade. Todavia, mesmo o mais empedernido bolsonarista haverá de reconhecer que, se tudo parar por aí, isto é, se não sobrevierem condenações criminais diante do extenso rol de atrocidades que o ex-presidente cometeu durante o seu mandato, a coisa ainda terá saído barato para Bolsonaro.

Somadas umas coisas e outras, alguém poderá imaginar que tudo está bem encaminhado para o atual inquilino do Planalto. Afinal, a ameaça golpista está afastada, Bolsonaro está inelegível e a economia parece caminhar nos trilhos, com o início do processo de queda da taxa Selic na reunião de hoje do Banco Central.

Mas imaginará mal…

Conquanto tudo na superfície pareça estar dentro dos conformes, analisando-se o cenário com um pouco mais de profundidade há razões de sobra para ficar-se preocupado.

Pra começo de conversa, a aprovação do arcabouço apenas monta o esqueleto do que será o regime fiscal daqui por diante. A musculatura – isto é, aquilo que manterá o troço de pé – depende da aprovação de medidas que garantam, apenas para o ano que vem, um aumento de receita da ordem de R$ 150 bi. Sem isso, a promessa de déficit zero para 2024 vai para as calendas e o refresco concedido pelo pessoal de “o mercado” vai para o vinagre.

Mesmo a reforma tributária não ajuda nesse aspecto. Para além do fato de que ela ainda pende de aprovação pelo Senado (que pode devolvê-la para a Câmara), ela implica um período de transição de uma década. Ou seja: só veremos seus efeitos se materializarem de verdade em 2033, quando sabe-se lá quem estará na Presidência. Fora isso, em que pese acabar com o pandemônio de regras tributárias que vigora no país, seu resultado fiscal tende a ser neutro, ou seja, será apenas uma troca de seis por meia dúzia, não havendo míngua nem sobra.

Na seara externa, não bastasse a guerra entre Rússia e Ucrânia, uma assombração chamada Donald Trump voltou a aterrorizar a terra do Tio Sam. Apesar dos mais de dez procedimentos criminais a que responde, nos Estados Unidos não existe uma lei equivalente à da Ficha Limpa. Com a indicação pelo Partido Republicano ao alcance da mão (vantagem de 54% a 17% contra o segundo colocado), não há qualquer garantia de que Joe Biden vença novamente o ex-apresentador de O Aprendiz.

Se você estiver pensando que isso é problema dos americanos, é melhor pensar novamente. Os Estados Unidos não são somente a maior potência militar e econômica do planeta. São grandes “influencers”, por assim dizer, dos costumes internacionais. O que seria do 8 de janeiro se tivéssemos Donald Trump, e não Joe Biden, sentado na Casa Branca?

Por fim, Bolsonaro está de fato inelegível. Mas nas eleições de 2026 o Presidente do TSE não será mais Alexandre “Xandão” de Moraes. Pelo contrário. Será Kássio Nunes Marques, tendo ao seu lado, como vice, o “terrivelmente evangélico” André Mendonça. Embora improvável, bastaria apenas mais dois votos para que o registro de uma hipotética candidatura presidencial de Jair Bolsonaro ao Planalto fosse deferida, ainda que manifestamente contra a decisão que o condenou à inelegibilidade.

O Brasil, portanto, passará os próximos três anos caminhando sobre uma tênue linha econômico-política. Se tudo for bem, bem irá. Se tudo for mal, podemos bater novamente às portas do inferno. A pior hipótese – o verdadeiro nightmare scenario – ocorreria caso: 1) a economia esteja mal; 2) Trump consiga voltar à Presidência dos Estados Unidos; e 3) não apareça uma alternativa decente a Jair Bolsonaro no lado direito do espectro político.

Alguém ainda poderia argumentar que tal sucessão de infortúnios é improvável e que Deus não faria novamente semelhante maldade com o sofrido povo brasileiro. Convém, no entanto, colocar as barbas de molho. Em outubro de 2016, Hillary Clinton era a favorita para ser a primeira presidente da história dos EUA e Bolsonaro era apenas um rufião do baixíssimo clero parlamentar, mais famoso por aparecer no Superpop do que nas grandes redes de TV.

Deu no que deu.

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