Com a segunda ronda das disputas municipais encerrada, já é possível fazer um balanço entre ganhadores e perdedores deste último sufrágio. Não que o quadro em si tenha mudado muito entre o primeiro e o segundo turno, mas, com todas as paradas resolvidas, é mais fácil saber quem saiu maior e quem saiu menor de mais uma refrega eleitoral. Para não tornar a lista muito extensa, vamos escolher os três maiores vencedores e os três maiores perdedores dessa contenda.
Como de hábito, começaremos pelos ganhadores:
1 – Gilberto Kassab
Ninguém ganhou mais e ninguém ganhou tanto nesta última eleição quanto o todo-poderoso presidente do PSD, Gilberto Kassab. Cria de José Serra, Kassab há anos mostrou seu faro apurado ao criar um partido que, segundo ele, não era “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”. Tal qual Noé, Kassab construiu uma Arca na qual cabe qualquer tipo de bicho, desde que seja fiel a ele. Com isso, conseguiu construir o que, hoje, é o partido com mais prefeituras no país inteiro, além de ser uma potência nos legislativos federais, estaduais e municipais. Vendendo seus dotes para quem pagar mais, Kassab pode dar-se o luxo de escolher em qual canoa vai embarcar em 2026, pois nenhum dos lados – nem à direita, nem à esquerda – poderá prescindir dele para governar o país.
2 – Ronaldo Caiado
O líder ruralista, um dos poucos sobreviventes da primeira eleição pós-redemocratização, resolveu bater de frente com o suposto líder da direita, Jair Bolsonaro. E, ao contrário do vaticínio de muitos, levou a parada. Numa disputa entre direita e direita pela prefeitura de Goiânia, ganhou a “direita tradicional” . A direita reacionária, apoiada pessoalmente por Bolsonaro, que fez questão de se deslocar até a capital de Goiás no dia da votação, ficou chupando dedo. Com isso, Caiado conseguiu a façanha de se reinventar como líder regional. Se vai conseguir se projetar como líder nacional para 2026 são outros quinhentos, mas é inequívoco que ele sai maior do que entrou nessa disputa.
3 – Tarcísio de Freitas
O carioca governador de São Paulo pode não ser um político de profissão, mas soube entender melhor do que seu guru espiritual, Jair Bolsonaro, o valor que a palavra empenhada possui no cenário político. Contra a orientação explícita de Bolsonaro, que tentou convencê-lo a jogar a Ricardo Nunes ao mar e apoiar o inacreditável Pablo Marçal, Tarcísio segurou na mão do prefeito de São Paulo no pior momento, garantindo que sua candidatura não naufragasse. Com isso, se cacifou ao posto de “novo líder da direita” no país e potencial candidato em 2026. Falta, contudo, combinar com os russos. Ou, mais especificamente, com os Bolsonaros. Pois não passa pela cabeça de nenhum deles apoiar para a presidência alguém que não ostente consigo o sobrenome familiar. E, ainda que Bolsonaro resolva apoiá-lo na próxima eleição presidencial, resta saber como Tarcísio vai tourear as pretensões de seu “chefe” em São Paulo, Gilberto Kassab. Uma vez que o presidente do PSD já anunciou desde já que Tarcísio é candidato a mais um mandato no Palácio dos Bandeirantes, ninguém tem idéia de como o governador paulista vai fazer para conciliar tantos interesses contraditórios. A Bíblia ensina que não se pode servir a dois senhores. Em algum momento, Tarcísio vai ter de escolher entre Bolsonaro e Kassab. E aí, sim, será possível saber o tamanho do capital político dele. Por ora, ele pode curtir à vontade a vitória de Ricardo Nunes e flanar por aí como presidenciável.
Os perdedores também tiveram seu papel de destaque neste último pleito. Vamos a eles:
1 – Ciro Gomes
Um dos maiores perdedores da última disputa municipal é, provavelmente, também o mais irrelevante deles. Porque se houve uma época em que Ciro Gomes basicamente encarnava em sua pessoa o etéreo conceito de “terceira via”, hoje o ex-governador do Ceará está arriscado até a ficar sem partido. Tendo brigado com tudo e com todos, Ciro Gomes parece ter se decidido a chutar o balde de vez. Além de não ter conseguido levar seu candidato (José Sarto) ao segundo turno na eleição de Fortaleza, Ciro foi se aliar – veja você – a André Fernandes, um legítimo representante do que há de mais reacionário e hipócrita no campo bolsonarista. Tendo começado sua carreira na direita (Arena), passado pela centro-esquerda (PSDB) e chegando até a esquerda de origem comunista (PPS), Ciro Gomes parece ter jogado a lápide definitiva em sua carreira política ao flertar com a fina flor do bolsonarismo. Um triste fim para um político que prometia tanto e, ao final, entregou tão pouco.
2 – Guilherme Boulos
Se a esquerda já não tinha desempenhado grande papel no primeiro turno, coube a Guilherme Boulos acabar de vez com qualquer ilusão no campo jacobino do eleitorado. Sabe-se lá Deus por quê, alguém no PT achou que seria boa idéia lançar o líder psolista à prefeitura da maior cidade do país. Dispondo de muito mais dinheiro e contando com o apoio explícito do Presidente Lula, Boulos ficou rigorosamente com o mesmo percentual da última eleição. O problema, portanto, não estava na falta de grana ou na falta de apoio, mas parece residir no próprio candidato. Se Boulos sonha em algum dia se eleger candidato em um pleito majoritário, é hora de deitar no divã e começar a pensar no que pode fazer para mudar sua imagem de radical para a maior parte do eleitorado.
3 – Jair Bolsonaro
É fato: dentre todos os políticos do país, ninguém saiu menor dessa eleição do que Jair Bolsonaro. Com a pretensão confessa de usar o pleito para demonstrar força e, assim, conseguir extorquir do Congresso a anistia para seus crimes, o ex-presidente conseguiu a façanha de dar com os burros n’água em praticamente todo lugar. Em Goiânia, como visto, tentou bater de frente com Ronaldo Caiado e perdeu. Em Fortaleza, foi escondido pela campanha de André Fernandes, da tropa de choque bolsonarista, e, mesmo assim, perdeu. No Rio de Janeiro, seu berço eleitoral, foi humilhado por Eduardo Paes, que derrotou no primeiro turno o seu ex-chefe da Abin, Alexandre Ramagem. Nem mesmo em Angra dos Reis, onde mantém sua casa de veraneio, Bolsonaro conseguiu ganhar. O único lugar em que poderia cantar vitória seria em São Paulo, mas, por cortesia da sua covardia diante da ascensão de Pablo Marçal, nem isso pôde fazer. Por mais que arrote ser “uma utopia” uma direita sem Bolsonaro, o ex-presidente deixou o sangue cair na água. E os tubarões já sentiram o cheiro. Será apenas uma questão de tempo até todo mundo na direita perceber que Bolsonaro não tem outro projeto senão escapar da cadeia. Ele não é líder de coisa alguma. Nunca foi. Quando for preso, voltará à irrelevância da qual nunca deveria ter saído.
Feito o balanço, a hora agora é de ver o que se passa entre agora e o meio do ano que vem. 2026 pode parecer longe. Mas o jogo começou a ser jogado com o fechamento das urnas no domingo. Quem não se der conta disso logo, provavelmente vai descobrir que dormiu no ponto. E aí já será tarde demais.
É para ler esse nível de texto que pago minha internet!
Obrigado, minha amiga. Beijos.