O outro lado da moeda

Final do Ensino Médio é sempre a mesma coisa: pais ansiosos, filhos se matando de estudar e as escolas tentando aprovar o maior número de alunos. Na disputa selvagem entra essas três dimensões no final da adolescência, normalmente recai sobre os educandários a tarefa de tentar orientar o pessoal que ainda não sabe o que quer na vida.

Hoje, com Enem e Sisu, tudo ficou mais fácil. Afinal, o adolescente imberbe não tem mais de escolher “o” curso para o qual concorrerá, já que ele pode fazer isso depois de ver o tamanho da nota que tirou na prova. Mas, quando ainda havia vestibular, a parada era bem outra; bruta, impiedosa. Ou o cidadão escolhia direitinho o quadrado a marcar na lista de cursos da Universidade, ou era babau; se não passasse, só no ano que vem (depois de pagar o cursinho, é claro).

Para ajudar os pré-universitários nessa batalha inglória, algumas escolas costumavam chamar profissionais das mais diversas áreas, para explicar o que eles faziam e como eram as carreiras que eles haviam escolhido. A iniciativa era uma mão na roda, porque uma coisa é você ter uma vaga noção do que, por exemplo, um advogado faz no seu dia-a-dia. Outra, bem diferente, é ver o testemunho do causídico falando sobre as agruras da profissão e explicando que, só por ter um diploma de bacharel em Direito, isso não significa que você vai sair por aí andando de BMW.

Dentro desse espírito, a escola 15 de novembro resolveu fazer uma “Semana das Profissões”. Logo na estréia, um famoso empresário local, cujo sucesso só não era mais conhecido do que o seu mau humor. Com a mentalidade típica do sujeito que cresceu na vida na base da brutalidade, o cidadão veio para barbarizar. Falando sobre o curso de Administração, o palestrante mandou a real:

“Eu vou logo falar uma coisa pra vocês: se vocês quiserem crescer na vida, vão ter que se acostumar a sofrer! Só vence na vida quem sofre! E tem mais: no século XXI, pra você ser alguém, você tem que ser masoquista!”.

Para o alunato desorientado, a pregação parecia um tanto radical. Havia um quê de cômico na mensagem que o sujeito pretendia transmitir, mas ninguém se animara a rir dele. A criatura falava com tal desenvoltura e tanta convicção que era possível fazer alguém crer nela. Sem ter maiores noções sobre a obra do Marquês de Sade, a platéia foi então brindada com uma palestra sobre as virtudes do masoquismo profissional.

Mas havia um engraçadinho no meio do auditório. Ao final da pregação, o mediador abriu para as perguntas. Anotadas em papel, as indagações eram levadas a uma mesa ao lado do palestrante, que falava em pé. Lá, elas eram empilhadas e o sujeito ia retirando uma a uma, lendo a pergunta em voz alta para que todos soubessem o que estava sendo perguntado. Após duas perguntas banais, chegou a vez da leitura da pergunta do engraçadinho:

“O senhor disse que, para ter sucesso na vida, todos nós temos que ser um pouco masoquistas. Haverá, no século XXI, espaço para os sadistas?”

Foi o suficiente para que o riso preso na garganta da platéia explodisse na forma de gargalhadas.

E foi assim que o famoso empresário descobriu que, para tudo na vida, existe sempre o outro lado da moeda…

Esta entrada foi publicada em Crônicas do cotidiano. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.