A turista argentina

Chegara ao Brasil ainda nos anos 50, mas jamais aprendera de fato o português. Quer dizer, haverá aí algum exagero, porque português ela falava, mas o sotaque carregado pelos erres e pelos ys não deixava dúvidas: sim, estávamos diante de uma legítima portenha. Como os filhos tivessem nascido no Brasil, todos se desenvolveram naturalmente bilíngues: o espanhol, como língua materna; o idioma de Camões, como conversa corrente na escola.

Filhos crescidos, netos espalhados pelo Brasil, uma das filhas resolveu fincar raízes na Bahia. A mãe, claro, separava alguns dias durante o ano para ir visitar sua descendência na terra de Caymmi e João Gilberto. Com trinta anos de soteropolitanos nas costas, a filha já estava mais do que manjada em todas as artimanhas produzidas pelos caçadores de turistas locais.

“Mamãe, quando chegar alguém oferecendo para a senhora uma fita do Senhor do Bonfim, recuse!”

O “conselho” imperativo veio acompanhado de uma advertência:

“Se a senhora deixar eles amarrarem uma fita no seu braço, eles vão querer lhe cobrar R$ 10!”

Mensagem ouvida, informação captada. Toca a trupe inteira para o Pelourinho, a grande atração turística da primeira capital do Brasil. Lá chegando, o grupo começa a deambular pelas ladeiras da cidade velha de Salvador. Com seus oitenta e tantos anos – e a despeito de manter-se ativa a vida toda -, a matriarca da família invariavelmente acabava ficando para trás nas caminhadas. Uma vez que quase todo o resto parava de 5 em 5 minutos em alguma loja, tal atraso não representava empecilho de monta.

Em determinando momento, porém, a filha olha pra trás e vê o perigo se materializando à sua frente, como em um pesadelo diurno: a mãe quatro ou cinco metros atrás do grupo e, vindo numa diagonal, uma baiana devidamente paramentada de baiana com a fita do Senhor do Bonfim esticada entre as duas mãos, já na posição ideal para enrolá-la ao redor do braço. A filha dá uma leve corridinha em direção à mãe, não a tempo de impedir a abordagem, mas rápido o suficiente para ouvir o seguinte diálogo:

“Receba aqui essa fitinha do Senhor do Bonfim, minha rainha…”, ofereceu toda simpática a vendedora.

No, no! Yo soy bahiana!“, retrucou de forma ríspida a turista argentina.

E foi assim que a filha dela descobriu que, mesmo sem falar português, a mãe era suficientemente capaz de enfrentar as adversidades locais…

Esta entrada foi publicada em Crônicas do cotidiano e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.