A piada do BC, ou Quando teremos um Banco Central realmente independente?

Da onde menos se espera, daí é que não vem mesmo. Tal é a conclusão a que se chega para quem teve o desprazer de ler ontem a última ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o famoso “Copom”.

Para quem pelo menos acompanha o mercado financeiro há algum tempo, não houve surpresa alguma. Assim como em todas as outras vezes em que o Copom se reuniu, sua decisão foi rigorosamente aquela que o mercado desejava. Nesse caso específico, para dar início a um ciclo de alta de juros completamente desconectado do mundo e da realidade do país. Suprema ironia: no mesmo dia em que o Banco Central norte-americano começou a cortar os juros por lá (0,5%), o daqui resolveu começar a subir (0,25%).

Do ponto de vista estritamente macroeconômico, não há qualquer fundamento que justifique um aumento da taxa Selic nesta altura do campeonato. A subida do dólar – que teria impacto, por exemplo, no preço do trigo (pão) e do petróleo (gasolina) – arrefeceu e a moeda americana já se encontra em tendência de queda. Por mais que o IPCA tenha se elevado, até o momento ele sequer cruzou a banda superior da meta inflacionária (4,5%). Pra piorar, no mês passado houve deflação (preços em queda), trazendo a inflação pra mais perto da meta. Nem mesmo o chamado “estímulo fiscal” do Governo é mais justificativa para uma política monetária contracionista, eis que Fernando Haddad e cia. fecharam todas as torneiras da Administração e, em alguns ministérios, não há sequer grana para pagar despesas básicas.

Não fosse isso o bastante, o Copom não foi capaz nem de honrar a própria palavra. Segundo a ata da última reunião – que não aconteceu na década passada, mas apenas 45 dias atrás -, os modelos econométricos do próprio BC indicavam que, caso a taxa de juros permanecesse onde estava (nem subisse nem caísse), a inflação do ano que vem estaria quase no centro da meta, a 3,2%. E olha que esses cálculos levavam em consideração um dólar a R$ 5,50 (está em R$ 5,40) e sem redução na taxa de juros do FED (caiu ontem meio ponto percentual).

Logo, se não há fundamentos macroeconômicos e se o próprio modelo utilizado pelo BC dizia o contrário, por que ontem o Copom voltou a subir os juros?

Nada na vida tem uma explicação única, e com o Banco Central brasileiro e sua exótica política monetária não seria diferente. Mas, se fosse possível apontar um fator que prepondera frente aos demais, está o tal de “o mercado”.

Entidade ectoplasmática de caráter fluido, “o mercado” é, a um só tempo, todo mundo e ninguém. Quer dizer: quando alguém fala que “o mercado” está precificando alguma coisa, geralmente se refere a meia dúzia de grandes players que dispõe de bala na agulha suficiente para fazer o preço de alguma coisa subir ou cair. Mas, como a referência é feita genericamente, ao mesmo tempo “o mercado” é ninguém, pois nenhum operador carrega consigo o ônus de ter de admitir que, na verdade, quem está pedindo aumento de juros é ele (em regra, porque seu fundo está posicionado de forma a ganhar com a alta de juros).

A questão é tão desbaratada que um dos “argumentos” utilizados pelo Banco Central para justificar a alta da taxa são as famosas “expectativas desancoradas”. Traduzindo para o português, o que o “çábio” está querendo dizer é que, como o próprio pessoal de “o mercado” começou a dar chute de que a inflação vai subir, então o juro também tem que subir. Pouco importa se essa “previsão” tem alguma base concreta ou está fundada em algum temor genuíno. Basta que a “expectativa” seja de alta para que “o mercado” pressione por mais juros, numa espécie de profecia autorrealizável. Para se ter uma idéia das “gracinhas” que essa galera pratica, teve fundo de investimento chutando inflação de 8% – isso mesmo, OITO POR CENTO – ano que vem, coisa que nem o mais alucinado dos economistas imagina, com o evidente propósito de jogar pra cima a média das “expectativas” de inflação em 2025.

Já passou da hora do governo e da sociedade imporem um freio a essa verdadeira ciranda financeira. Quando muita gente boa defendia a independência do Banco Central frente ao governo, havia vários e bons argumentos para embasar a medida. Falta, agora, tornar o BC independente do próprio mercado.

Resta saber, contudo, se alguém terá coragem para fazer isso…

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