Não foi por falta de aviso.
Antes mesmo do primeiro debate para prefeitura de São Paulo, alertou-se aqui que estavam enganados aqueles que pensavam ser Pablo Marçal apenas mais uma daquelas personagens caricatas que costumam aparecer de quando em vez nas eleições. Utilizando a mesma estratégia do dedo no c* e gritaria popularizada pela extrema direita, Marçal disparou nas pesquisas e, em pelo menos duas delas, já assumiu a liderança da corrida para o Edifício Matarazzo, sede da municipalidade paulistana. Avançando pela trilha aberta por Jair Bolsonaro, Marçal atende à demanda de pelo menos 1/3 da população, que quer mais é ver o circo pegar fogo. A esculhambação, pois, revela-se mais uma vez eleitoralmente rentável.
A questão aqui, contudo, não é exatamente analisar a ascensão dessa triste figura chamada Pablo Marçal no cenário nacional, mas, sim, observar como o surgimento de um sujeito ainda mais bizarro na extrema direita detona um dos mitos mais ridículos jamais incensados pela preguiçosa imprensa nacional: a de que nenhuma candidatura à direita será viável sem as bençãos de Jair Bolsonaro. Isso não só é possível, como é viável até mesmo bater de frente com ele, sem que isso cause grandes danos ao patrimônio eleitoral do sujeito.
Desde que surgiu no panorama político com seus “cortes” e com a declarada estratégia de se passar por idiota para atrair o eleitorado idiota, Marçal mostrou ser possível abrir picadas na selva eleitoral sem depender, para isso, do “patrocínio” dos Bolsonaro. Trafegando pelo lado destro do espectro, o dublê de coach conseguiu demonstrar que aquele terço da população radicalmente anti-petista não tem “dono”. Eles abraçarão qualquer um que demonstre capacidade de derrotar nas urnas candidatos identificados com o “sistema”, o “comunismo” ou coisa que o valha. Basta, para tanto, propagandear os mesmos “valores” que essa gente defende, ainda que isso seja uma rematada hipocrisia. Afinal, ninguém pode levar a sério um sujeito que diz não votar no Lula porque ele é “ladrão”, mas, ao mesmo tempo, vota numa figura condenada por formação de quadrilha e fraude bancária, ainda que a pena tenha prescrito antes do final do processo.
Obviamente, não há nada a comemorar aí. Quando se defendeu aqui a hipótese de que Bolsonaro não era o “Lula da direita”, mas somente o “anti-Lula de ocasião”, a idéia era que aparecesse alguma coisa melhor do que esse espetáculo farsesco patrocinado pela extrema direita tupiniquim. O ressurgimento de uma direita moderada, liberal, nos moldes do que foi o PSDB na virada do milênio, traria de volta alguma ordem ao caos e deixaria o ar mais respirável nesse insuportável ambiente de polarização. No mínimo, seria afastado o risco à democracia representado por essa galera, a partir do confinamento da direita golpista ao cantinho do qual ela nunca deveria ter saído.
A aparente apatia dessa direita tradicional, provavelmente movida pelo mesmo fatalismo que contaminou o nosso mainstream midiático, segundo o qual nada brotaria do lado direito do jardim senão com as bençãos de Bolsonaro, fez com que uma alternativa ainda mais radical aparecesse. Enquanto esse pessoal não cair na real e passar a produzir candidatos mais moderados, a lógica será sempre essa: “fugir” do centro e caminhar cada vez mais para a direita, até o dia – quem sabe – em que ela se encontrará com o PCO de Rui Costa Pimenta.
Embora a artilharia aberta por Guilherme Boulos e Ricardo Nunes tenha afastado, pelo menos por ora, o risco de a parada ser encerrada ainda no primeiro turno, cometerá novo equívoco quem pensar que não existe a possibilidade de Marçal vir a ser eleito prefeito de São Paulo. Em 2018, muita gente boa da esquerda pensava o mesmo quando torcia para Bolsonaro tirar Geraldo Alckmin do segundo turno da corrida presidencial. Para essa galera, seria muito mais fácil Fernando Haddad derrotar o ex-capitão indisciplinado do Exército do que o tetra-governador paulista.
Deu no que deu.