Se há uma certeza no Brasil, é que as coisas sempre podem piorar. Não bastassem a miséria, a corrupção, a violência e as dificuldades que fazem deste rincão da América Latina um dos palmos de chão mais desafiadores de todo o planeta, agora estamos às voltas com a epidemia das “bets”, empresas de apostas online.
O produto não é exatamente novo. Em outros países, as apostas online já existem há muitos anos. O modelo é quase sempre o mesmo: pega-se um esporte qualquer, abre-se na Internet a possibilidade de o sujeito apostar no ganhador (ou em algum outro evento da partida, como um cartão vermelho) e partir daí o esquema funciona exatamente como nos cassinos: seja qual for o resultado, the house always wins.
Regulamentadas, as empresas que oferecem esse tipo de “produto” no exterior sujeitam-se a uma fiscalização rigorosa e pagam regiamente seus impostos. Ainda assim, escândalos de manipulação se sucedem. No tênis, por exemplo, um cidadão arregimentou 180 tenistas de vários países para um grande esquema de manipulação de resultados. Quando o escândalo foi descoberto, o sujeito foi condenado a 5 anos de cadeia. Ficou barato, principalmente porque o dinheiro de quem perdeu grana nessas apostas viciadas foi-se para sempre, sem possibilidade de retorno.
Aqui no Brasil, como de hábito, a coisa corre frouxa. As bets se instalaram e se multiplicaram numa razão maior do que a procriação de coelhos. Quase todos os maiores times de futebol, por exemplo, têm como patrocinador master da sua camisa uma empresa desse tipo. Não é preciso ser um gênio para imaginar ser apenas uma questão de tempo até que estoure algum escândalo de manipulação de resultados em jogos do Brasileirão.
Para se ter uma idéia do tamanho do dinheiro que gira nesse “negócio”, estima-se que, em valores atuais, o mundo das bets arrecadou entre R$ 70 e R$ 100 bilhões (com B de bola). Isso representa quase 1% do PIB indo pelo ralo somente na jogatina online. A coisa atingiu tal proporção que até o varejo – aquele que vende roupas, sapatos e mercadorias várias – sentiu o impacto dessa “concorrência”. Uma vez que o dinheiro no bolso do cidadão é finito, se ele está indo para apostas online, vai acabar faltando para o consumo de outros bens e serviços.
À primeira vista, isso pode parecer um problema menor, mas é um erro subestimar o impacto das apostas online na saúde das pessoas. Não se trata somente da saúde financeira, para deixar claro. Quando o sujeito simplesmente deixa de jantar fora para gastar numa aposta de jogo, vá lá; o “prejuízo” para a economia é naturalmente limitado. Mas quando essa mesma figura começa a gastar mais da metade do orçamento mensal para manter o vício, o resultado inescapável dessa dinâmica é começar a pegar empréstimos na praça para fazer frente às despesas de casa.
Com as dívidas, entra em ação a espiral de decadência psíquica e mental que costuma acompanhar os viciados em jogo. À vergonha de perder dinheiro na aposta soma-se a angústia de ver-se cada vez mais afundado no buraco financeiro. Enquanto isso, o humor vai pro espaço e o cidadão costuma se deprimir ou ficar agressivo (às vezes, os dois). A família começa a se desintegrar e o que se passa daí em diante é só tragédia.
Já passou da hora de a sociedade olhar com mais atenção esse verdadeiro desastre que se desenha à nossa frente. O Brasil é provavelmente o único país do planeta em que os jogos de azar são proibidos, mas a jogatina online é liberada. A hipocrisia que rondava o lendário jogo do bicho cedeu lugar a um estado de catatonia coletiva, no qual se aceita a proliferação das empresas de aposta e até mesmo a adesão de grandes figuras da TV como garotos-propaganda sem contestação, como se fossem um dado da paisagem.
Mas não são. Ou o país se dá conta disso agora e começa a agir para impedir essa tragédia que está em curso, ou daqui a pouco estaremos lamentando as estatísticas de mortes (por suicídio ou por homicídio) produzidas por esse novo “negócio”.
É esperar pra ver.