“Lá vem eles de novo!”
“Virou passeio!”
“Gol da Alemanha!”
São muitos os bordões que ficaram daquele tragicômico 8 de julho de 2014. Na narração marcante de Galvão Bueno, o massacre sofrido pela seleção brasileira na semifinal da Copa daquele ano conseguiu, a um só tempo, entrar para: a história do futebol brasileiro; a crônica do esporte mundial; e o anedotário de toda a gente. Nunca antes uma derrota tão impiedosa havia sido transmitida para o planeta inteiro ao vivo e em cores, com tanta gente assistindo.
Para quem viveu de perto aquele dia, houve um misto de sensações. Claro que, antes do jogo começar, ninguém imaginava que o placar final fosse marcar um score tão elástico. Pouca gente acreditava que aquela seleção cambaleante, desfalcada do seu principal jogador (Neymar), pudesse de fato encarar a Alemanha de igual para igual. No entanto, como no futebol nem sempre o melhor vence, havia alguma esperança de que o escrete canarinho pudesse alcançar mais uma final.
Depois que a Alemanha fez os dois primeiros gols, quem entende um mínimo de bola sabia que a parada estava decidida. Nesse sentido, a rapidez com que o placar saiu de 2 para 5×0 (apenas 5 minutos) de certa maneira ajudou com o que poderia ser uma tragédia como a de Sarriá terminasse redundando em um misto de schadenfreude com riso. Afinal, não se havia chegado ali por acaso. A corrupção da CBF, o descaso da comissão técnica e a falta de compromisso dos jogadores eram tudo, menos prenúncio de coisa boa.
Desde então, o futebol brasileiro apenas desceu mais alguns círculos em direção ao inferno. Apenas dois anos antes, o presidente da CBF era o notório Ricardo Teixeira, banido do futebol mundial pela Fifa em 2019. Em 2014, o presidente era José Maria Marín, governador biônico de São Paulo, que curtiu uma temporada nas prisões norte-americanas por corrupção e lavagem de dinheiro. Depois dele, mais um banido: Marco Polo del Nero. De lá pra cá, tivemos mais três presidentes, dos quais ninguém sequer se recorda o nome. O atual, Ednaldo Rodrigues, mantém-se no posto graças a uma liminar do ministro Gilmar Mendes (e desde quando a CBF tem foro privilegiado?). Como imaginar que o futebol possa caminhar pra frente com uma cúpula assim?
Não que a CBF seja a única responsável pelo buraco em que nos enfiamos, que fique claro. Muito do desastre atual pode (e deve) ser creditado à nossa gloriosa imprensa, firme passadora de pano para a maioria dos boleiros e técnicos, com as quais boa parte dos jornalistas da área mantém relações incestuosas, em troca de “furos” e “exclusivas”. Sempre é bom recordar que os escândalos que levaram à queda de João Havelange e Ricardo Teixeira foram descobertos não pelo trabalho de algum setorista brasileiro, mas, sim, de um intrépido jornalista escocês.
Além da imprensa, os técnicos brasileiros pararam no tempo e se transformaram numa espécie de relíquia do século passado no mundo do futebol. A coisa anda tão feia que todo time em crise agora está indo em busca de um treinador estrangeiro para tirá-lo do atoleiro. O Vasco da Gama, por exemplo, chegou ao cúmulo de contratar um técnico português que era mais famoso pela boina que ornava sua cabeça do que pelo currículo que ostentava.
Last but not least, os jogadores também são diretamente responsáveis pela derrocada futebolística da outrora temida “Seleção Canarinho”. Puxe pela memória: qual foi o último grande craque que o Brasil produziu? De 2002 (ano do último título) pra cá, ninguém. Os mais condescendentes ainda arriscarão um Kaká da vida, talvez um dos jogadores mais sobrevalorizados da história do futebol mundial. Ainda assim, bichado, ele pouco fez em 2006. Em 2010, trajando a mítica camisa 10 de Pelé, nada fez e ainda foi expulso no jogo contra a Costa do Marfim.
De 2010 em diante, o que se viu foi uma profusão de bons jogadores, que prometiam muito, mas que acabaram, por uma razão ou por outra, ficando pelo caminho. Neymar – sempre ele – é o retrato máximo dessa “geração perdida”. Um talento absurdo, superado apenas pela sua indisposição em transformá-lo em algo maior. Não por acaso, já há algum tempo o antigo craque do Santos ingressou na célebre categoria dos ex-jogadores em atividade.
No final das contas, o 7×1 e a débâcle que se seguiu a ele encerram o desfecho perfeito de uma Copa que jamais deveria ter ocorrido aqui. A idéia de “superar” o trauma da derrota para o Uruguai recebendo de novo o evento da Fifa no Brasil acabou dando certo. O que ninguém imaginava é que seria para colocar um trauma ainda maior no seu lugar.
Dez anos depois, a única conclusão que nos resta é: parabéns aos envolvidos.