Cascas de banana retóricas, ou O imbróglio entre Lula e o governo de Israel

No Brasil e no mundo, existe uma regra milenar segundo a qual se deve evitar entrar em discussões sobre questões polêmicas. A regra aplica-se com maior rigor quando um dos interlocutores é uma pessoa pública (como o Presidente da República) e é elevada à terceira potência quando envolve temas relativos a minorias étnicas (ex: negros), comportamentais (ex: transsexuais) ou religiosas (ex: judeus). Uma vez quebrada a regra, pode esperar: a rebordosa é certa. Essa talvez tenha sido a lição aprendida por Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana.

Por diversos motivos (todos eles plenamente justificados), quando se entra numa discussão envolvendo questões dessa natureza, corre-se sempre o risco de o debate ser subitamente encerrado com uma acusação genérica vinda do outro lado do balcão, tipo: “racista!” (no caso de temas raciais); “preconceituoso!” (no caso de termas comportamentais); ou “anti-semita!” (no caso de temas relativos à comunidade judaica. Não é em todo o caso que a acusação será séria ou mesmo fundamentada. Ainda assim, o sujeito que está tentando argumentar coloca-se invariavelmente na condição de arcar com o ônus de demonstrar, a priori, que não é nenhuma dessas coisas.

Depois de ler um discurso preparado pelo staff do Itamaraty, Lula respondeu a uma questão sobre o conflito em Gaza em termos duros. Em suas palavras, “o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”. Obviamente, da invocação do maior facínora do século XX, responsável pelo Holocausto de seis milhões de judeus, não poderia surgir boa coisa.

Parece claro que Lula falou mais do que devia. Por mais que se queira acusar Israel de genocídio em Gaza – e convém lembrar que o país já responde a um processo por essa acusação na Corte de Haia -, não há comparação com o que os nazistas fizeram na II Guerra Mundial. Lá, um sistema perverso e cruel de “industrialização da morte” ergueu campos, equipados com câmaras de gás e fornos, para exterminar todo um povo. Em Gaza, por mais bárbara e criminosa que seja a ação de guerra do governo de Israel, não ocorre semelhante coisa.

Pressionado de todos os lados pelos crimes de guerra cometidos por seu governo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enxergou na impropriedade lulística a oportunidade perfeita para tentar ganhar algum gás. Numa condição semelhante à que se encontra Jair Bolsonaro, “Bibi” tenta a todo custo prolongar o conflito na Palestina. No momento em que a guerra acabar, ele perde o cargo (porque seu governo é minoritário) e terá de responder a inúmeras acusações – inclusive de corrupção – na Justiça. Não é negligenciável a hipótese de que, a exemplo de seu congênere de extrema-direita tupiniquim, venha a ser preso depois disso.

Talvez por isso mesmo, a reação do governo de Israel à fala de Lula tenha sido tão desproporcional. Numa só tacada, o governo israelense chamou às falas o embaixador brasileiro em Israel e declarou Lula persona non grata no país. Pior. Fugindo das tradições diplomáticas mais simplórias, a convocação do embaixador brasileiro transformou-se numa palhaçada (não há outro adjetivo que melhor represente o ocorrido). Ao invés de manifestar sua reprimenda em privado, a portas fechadas, o chefe da chancelaria israelense optou por um showzinho pirotécnico para vender ao público interno. Descortesia da braba, que mereceu – aí, sim – a devida reprimenda do governo brasileiro, que não só chamou o embaixador israelense novamente às falas, como ainda mandou trazer de volta o nosso embaixador lá sediado.

Tomadas as devidas providências no campo diplomático, é hora de baixar o facho. O governo Netanyahu não quer um pedido de desculpas de Lula. Pelo contrário. Para ele, mais vale que a “polêmica” se prolongue, para que o velho truque do “inimigo externo” continue a fornecer-lhe oxigênio, sem o qual ele e seu governo caem e as barras da Justiça começam a ficar perigosamente próximas.

Ao Brasil, porém, cabe não cair mais nas provocações baratas da chancelaria israelense. Ainda hoje, o ministro das relações exteriores do Estado Judeu, Israel Katz, jogou mais uma casca de banana, “entrevistando” um brasileira vítima dos ataques do Hamas em 7 de outubro, no qual a jovem alega que o país “havia se esquecido deles”. Faltou, contudo, falar dos mais de mil brasileiros resgatados pelo governo, inclusive com o uso da aeronave presidencial para esse fim.

Portanto, a menos que haja mais um ato de hostilidade inequívoco por parte do governo israelense (a possível ida do embaixador de Israel ao ato convocado por Jair Bolsonaro para o dia 25 deste mês seria um exemplo claro disso), o Brasil deve colocar a bola no chão e sair tocando. A guerra – e, principalmente, Netanyahu – não durarão para sempre. Quando eles se forem, restarão os laços que ligam Israel ao Brasil, um dos primeiros países a reconhecer o Estado Judeu e cujo então embaixador na ONU, Oswaldo Aranha, foi o responsável por presidir a sessão que aprovou a criação de Israel.

Essa é uma história bonita demais para que se permita que figuras como Bibi ou Katz a desonrem permanentemente.

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