Adolescente é um bicho estranho. Acha que sabe tudo (quando não sabe nada), imagina que vai viver pra sempre (porque o tempo em que opera a visão juvenil é a eternidade) e acredita piamente que ter atitude significa comprar todas as brigas, mesmo as mais bestas, mesmo contra quem se gosta (quando a sabedoria ensina o contrário). Nesse contexto, Raul não destoava da maioria.
Quando se engraçou com Renata, tudo se encaminhava para ser um daqueles “namoros-modelo” da escola, daquele tipo high school musical, nos quais tudo são flores, a vida é bela e nada pode abalar a vida dos pombinhos. Ele, um dos caras mais divertidos e, portanto, mais populares da escola. Ela, finalista do concurso de Rainha do Colégio. À primeira vista, um romance para ser invejado. À segunda vista, o buraco ficava mais embaixo.
Embora a atração física fosse incontestável, as diferenças de jeito e de temperamento eram profundas. Avesso a badalações, Raul mantinha-se popular mais pelo comportamento dentro da sala de aula do que pelo que fazia fora dela. Renata, ao contrário, fazia-se ver justamente pelo seu porte elegante e seu desfilar de modelo na hora do recreio. Enquanto Raul era querido justamente por ser amigo de seus amigos, Renata era detestada na exata medida em que se “achava” frente às suas companheiras de turma.
Entretanto, se havia algo em que Raul e Renata se equivaliam era na rapidez de raciocínio. Com tiradas ácidas emendadas “na lata”, ambos se tornaram interlocutores temidos. Uma palavra mal colocada ou uma tentativa de rasteira fora da hora poderia representar a ruína para quem resolvesse tirar onda com qualquer dos dois. Raul levava certa vantagem nisso, mas era só porque o habitat masculino é naturalmente mais competitivo nesse particular do que o feminino, mas Renata estava longe, muito longe, de fazer feio nesse quesito.
Certa feita, como ambos tivessem brigado, acabaram por não se acertar para ir a determinada festa de 15 anos de uma garota da escola. Uma vez que as brigas de adolescente, todas elas, são definitivas salvo prova em contrário, não é de se estranhar que os casais dessa idade estranhem-se por certo período até que uma reaproximação seja possível. Foi assim que Raul e Renata, cada um do seu lado, acabaram indo separados para a celebração da nova debutante.
Ao chegarem na festa, cada um procurou a sua turma. Renata, com suas amigas, divertia-se com risadas altas do outro lado do salão, como a demonstrar para Raul que a vida era boa mesmo sem ele ao seu lado. Raul, por sua vez, não escondia o mau humor. Não que estivesse encostado em alguma coluna, mas era nítido que não estava na mesma vibe da roda de amigos que o cercava.
Depois de uma hora de entreolhares, coube a Renata quebrar o gelo. Leve e sorridente, a guria atravessou o salão e veio falar com os meninos do outro lado da festa. Um a um, os amigos dela e de Raul foram sendo cumprimentados. Ele mesmo, contudo, ficou por último. Cara amarrada, dentes cerrados, escondidos por trás dos lábios, nem sequer um esboço de sorriso parecia escapar daquela cara enfezada. Foi quando Renata se aproximou dele e, depois de dar-lhe dois beijinhos nas bochechas, disse singelamente:
– Oi, tudo bom?
“Tudo”, laconicamente respondeu Raul.
Sem entrar na pilha, Renata insistiu em quebrar o gelo:
– Por que essa cara amarrada?
“Nada, não”, devolveu Raul.
“Tá menstruado, por acaso?”, insistiu de maneira provocativa Renata.
A brincadeira fez com que sua cara se fechasse ainda mais (como se isso ainda fosse possível).
“Tô”, respondeu ele em seco.
“É… Eu reparei pelo tamanho do Modess”, encerrou Renata.
A turma de amigos inteira caiu na gargalhada.
E foi assim que Raul descobriu que, às vezes, um sorriso vale mais do que mil palavras.