Crônicas do cotidiano: “A fila pernambucana”

Quem não é do Nordeste provalmente não tem idéia do que o povo pernambucano representa na região. Só quem é daqui pode entender a real dimensão desse curioso espécime da fauna brasileira no contexto nordestino. Admirado por uns, invejado por outros e odiado por todos, o pernambucano é um ser irascível e naturalmente irritadiço.

Inconformado por natureza, o pernambucano nasceu para reclamar. Sua fala direta às vezes choca quem não está acostumado a tanta sinceridade. Não é raro um forasteiro se abismar com aquilo que parece uma discussão acalorada entre dois pernambucanos, quando, na verdade, eles estão apenas argumentando com seu jeito próprio de ser. Foi o que aconteceu com Joana.

Joana, que conhecia a terra mas jamais a visitara, foi levada por Kadu, seu namorado, um pernambucano exilado na Bahia. Chegando no fim da tarde, o estômago de ambos já roncava o suficiente para mover o restante do corpo em busca de comida, embora a fome não fosse suficientemente grande para justificar um jantar às 17h30m. Kadu, então, teve a idéia de levar Joana para comer o velho e bom “cai-duro”.

Em um determinado estabelecimento comercial, vendiam-se espetinhos, daqueles que a gente come com farofa, à moda neanderthal. Havia duas opções: bovino e suíno. Enquanto batiam um papo, o casal não via o tempo passar. Depois de uns 3 minutos de conversa, os forasteiros perceberam que a fila não andava. À sua frente, duas mulheres e uma dúvida existencial: “Será que eu escolho bovino? Ou será que escolho suíno?”

No Ceará, por exemplo, a “indignação” com a demora alheia não vai além de um pigarro forçado com a garganta, em um tom levemente acima do ordinário. Na Bahia, como a pressa não combina com o nativo do estado, nem o pigarro mais alto dá as caras. Mas, como você deve estar lembrado, nós estamos em Pernambuco. E sim, havia um pernambucano na fila.

Como prosseguisse a discussão interminável entre bovino e suíno entre as duas amigas, trinta segundos depois um membro local da comunidade – que estava posicionado atrás de Kadu e Joana – irrompeu em um brado estridente: “Oh, minha senhora, escolha logo esse negócio!!! Não tenho o dia todo pra ficar aqui esperando, não!!!”

As duas mulheres escolheram o espetinho bovino e saíram caminhando depois, como se nada tivesse acontecido.

E foi assim que Joana foi apresentada à fila pernambucana.

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