Recordar é viver: “Uma disputa perigosa, ou O paradoxo de Haddad”

Ressuscitando seções abandonadas aqui deste espaço, vamos retomar a quase esquecida Recordar é viver.

Mantendo as tradicionais publicações às sextas-feiras, a Recordar é viver serve para revisitar algumas das opiniões do Blog expressadas ao longo do tempo, seja para verificar erros, seja para confirmar impressões tomadas a quente.

Neste caso, recordamos um post de setembro de 2018, ainda antes do primeiro turno da eleição passada, quando praticamente ninguém acreditava que Jair Bolsonaro pudesse chegar à Presidência da República. Como o Dando a cara a tapa rejeitava o ex-presidente muito antes de ser a modinha de hoje em dia, o post também serve de alerta para os petistas de carteirinha, que acham que o perigo já passou e tudo está a salvo com a terceira eleição de Lula.

Infelizmente, a história ensina que não podemos ser otimistas a esse respeito.

É o que você vai entender, lendo.

Uma disputa perigosa, ou O paradoxo de Haddad

Publicado originalmente em 19.9.18

Só não viu quem não quis.

Enquanto boa parte da mídia e dos “analistas” políticos do país apostava em um segundo turno presidencial entre Geraldo Alckmin e alguém da dita “esquerda” – mais provavelmente Ciro Gomes -, aqui no Blog cravou-se há pouco mais de três meses: a disputa final pela cadeira de presidente será entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

Embora a conclusão hoje pareça óbvia a qualquer néscio que saiba olhar as pesquisas eleitorais, não era nada intuitiva antes das convenções partidárias de julho. Do lado da Direita, acreditava-se piamente que o latifúndio televisivo de Alckmin acabaria por destronar o ex-capitão do Exército da dianteira. No lado da Esquerda, Lula ainda acreditava que seria capaz de emparedar o Judiciário e forçar sua candidatura. Tamanha era a fé na sua própria divindade que, a menos de 30 dias da escolha da chapa, Lula não definira sequer quem seria o seu vice. Boa parte do petismo preferia o baiano Jacques Wagner, enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffman, nutria nada em segredo a vã ambição de ser ungida pelo babalorixá petista. No entanto, o dedazo  falou mais alto e o ex-prefeito paulistano acabou com a vaga que Lula considera eternamente sua.

Com a sagacidade que lhe é inata, Lula elaborou a melhor estratégia política que poderia, consideradas as circunstâncias. Uma vez que estava preso e impedido de fazer campanha, fez o que pôde para estender uma batalha judicial que qualquer rábula reconheceria perdida de antemão. Tudo, claro, para permanecer em evidência e aumentar a percepção de que sofre uma perseguição política do Ministério Público e do Judiciário. De quebra, ainda pouparia qualquer substituto seu da costumeira pancadaria que se abate sobre os candidatos a presidente. Uma jogada de mestre, portanto.

Parada resolvida, então?

Não exatamente.

Que o dedazo de Lula catapultaria qualquer indicado seu a 20% dos votos, era algo mais do que previsível; era até natural. Portanto, Haddad sair de 4% para 19% em pouco mais de uma semana de campanha não representa nenhum feito do candidato petista. Estranho seria se ele não conseguisse alavancar tal índice montado na imensa popularidade de seu padrinho. Todavia, não há a menor razão para acreditar que Haddad continuará subindo à razão de 10 pontos percentuais por semana.

Se por um lado a jogada de Lula revelou-se brilhante para garantir uma vaga no segundo turno para seu pupilo, por outro o tiro se revela uma estratégia de eficácia limitada no tempo. A idéia de postergar ao máximo a substituição da chapa e resguardar Fernando Haddad da artilharia de campanha garante sua vaga no segundo turno. Mas, daí pra frente, a coisa muda de figura.

Com a campanha na rua e tendo de dar a cara a tapa, aos poucos as pessoas vão deixar de pensar no “candidato do Lula” e vão observar o Fernando Haddad de carne e osso. Pode ser que ninguém ligue para o fato de que Haddad foi o único prefeito da história a perder uma reeleição no 1º turno, muito menos de que ele comandava a prefeitura mais mal avaliada do país quando foi derrotado por João Dória. Mesmo assim, Haddad terá de carregar o desgaste de 14 anos de governos petistas. E esse fardo pode ser pesado demais para uma só pessoa carregar.

Pior do que o legado de corrupção de toda uma era e o desastre econômico capitaneado por Dilma Rousseff, Haddad começará a encarnar numa só figura toda a ojeriza que levou o PT em certo momento a ser o partido mais odiado do país. Antes havia apenas a discussão sobre Lula e suas condenações judiciais. Mesmo quem não gostava do PT era capaz de nutrir alguma simpatia pelo ex-presidente e suas agruras penais.

Agora, não.

Quem assistiu à entrevista de Haddad ao Jornal Nacional teve uma indesejável sensação de dejà vu. Subitamente, tudo aquilo que parecia escondido em um recanto empoeirado da memória voltou à tona, ao vivo e em cores. A pretensa superioridade moral da esquerda, a desqualificação dos adversários, a soberba petista de acreditar que o partido recebeu algum tipo de missão divina que o credencia a fazer qualquer coisa, inclusive menosprezar a inteligência alheia. Somente isso pode explicar a bizarra tentativa de creditar a crise econômica de Dilma ao PSDB, como se tivessem sido os economistas tucanos os responsáveis pelo represamento dos preços controlados, pelo estelionato eleitoral de 2014 e pela condução desastrada de uma política de subvenção tributária da qual não resultou nenhum emprego.

É exatamente por isso que o crescimento de Haddad nas pesquisas representa um paradoxo. Se ao mesmo tempo ele se beneficia da popularidade de Lula, torna-se mais conhecido e se credencia para disputar o segundo turno das eleições, por outro ele passa a ser a encarnação real de todos os pesadelos que acompanham o legado petista. Isso pode não ser suficiente para tirá-lo da segunda ronda, mas pode aniquilar sua pretensões em um eventual segundo turno. Talvez por isso mesmo, em algum momento Fernando Haddad terá de demonstrar de fato porque é conhecido internamente como “o mais tucano dos petistas”.

Haverá, claro, quem vai continuar achando que o país não embarcará numa aventura e votará em Haddad simplesmente para impedir uma recaída autoritária. É um erro, porém, subestimar o poder do anti-petismo. Jair Bolsonaro passou quatro anos pregando contra o “comunismo” e defendendo o fim do “foro de São Paulo”. Enquanto isso, Geraldo Alckmin repetia platitudes, pronunciando sílaba por sílaba, cada vez mais devagar, como gramofone quebrado.

Deu no que deu.

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