Usando o teclado como espanador para tirar a poeira que tomou conta deste espaço nos últimos meses, vamos ao tema do momento – e de todos os momentos que se seguirão daqui até outubro: a eleição presidencial.
Que esta será a disputa mais incerta e encarniçada desde a redemocratização, não há a menor dúvida. Rivalizando apenas com a eleição de 1989, em pleno mês de junho, a pouco mais de um mês das convenções partidárias, não se sabe ainda: 1- quem vai concorrer; e 2- em que condições vai concorrer. Esse cenário turvo e embaraçado é potencializado principalmente por dois fatores:
O primeiro deles, óbvio, é o fator Lula. Com o líder das pesquisas na cadeia e potencial candidato a ser excluído liminarmente do pleito pela Lei da Ficha Limpa, todo o campo “progressista” encontra-se acéfalo, com líderes pulverizados disputando como piratas o butim eleitoral do petista para ver quem consegue levar o maior naco de votos.
O segundo deles é o nanismo do Governo. Abalroado por duas denúncias criminais e na bica de encarar a terceira, Michel Temer não tem poder para influenciar em nada a sua própria sucessão. É como se o mal cheiro que exala do Planalto transmitisse alguma forma de peste que detona o potencial eleitoral de qualquer candidato. Não à toa, todos aqueles que se identificam com o tal do “centro ideológico” fogem de Temer como o diabo da cruz (ou o contrário).
Com os dois principais atores fora de ação, não é difícil concluir por que teremos uma eleição tão pulverizada. Sem uma força dominante para ditar o ritmo do jogo, políticos de todas as matizes invadem a arena eleitoral como os bárbaros invadindo Roma. Resta saber, contudo, quem terá fôlego para permanecer de pé até o fim da batalha.
No lado da extrema-direita, Jair Bolsonaro passeia lépido e fagueiro sem que nada nem ninguém seja capaz de importuná-lo. Ao contrário do que ditava o senso comum e exatamente como foi previsto aqui, Bolsonaro não desinflou e continua subindo nas pesquisas. Fora isso, é cada vez maior o percentual de eleitores convictos da opção Bolsonaro como melhor alternativa para o país. Mais de 80% dos que declaram voto no ex-capitão do Exército dizem que votarão “com certeza” nele. Se os 25% da última pesquisa podem representar um teto, 20% seria seu piso. Numa eleição tão pulverizada, esse patamar é mais do que suficiente para levá-lo ao segundo turno.
No lado do “centro”, a falta de densidade eleitoral do governismo detonou um curioso processo de barata-voa. Meirelles tenta se lançar pelo PMDB, se diz governista, pero no mucho. Do outro lado, ninguém leva muita fé na candidatura de Rodrigo Maia, muito menos ele, que tenta se cacifar para presidir a Câmara novamente no próximo biênio. Enquanto isso, Paulo Rabello de Castro, Flávio Rocha e uma enorme lista de et cetera vão vendo quem consegue furar a incrível marca do 1% dos votos.
No meio dessa meia dúzia de nanicos, Geraldo Alckmin continua jogando parado na estratégia highlander de que there can be only one. Além de ser altamente improvável que os demais partidos abram mão de suas candidaturas para entrar numa barca que até Fernando Henrique Cardoso reconhece como furada, mesmo que isso acontecesse o sucesso eleitoral do ex-governador paulista não estaria garantido. Alckmin perde de Bolsonaro até mesmo em São Paulo. Se é assim no estado em que ele governou por quatro mandatos, por que acreditar que ele conseguirá mais votos do que Bolsonaro nos demais estados da federação?
No lado da esquerda, Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila ocuparam seus nichos do eleitorado e pouco poderão fazer para sair de lá. Ciro Gomes até agora tem conseguido disfarçar com sucesso suas tendências políticas e ainda é identificado com o chamado “progressismo”. Sua estratégia eleitoral é fundada numa variante da estratégia Alckmin de que “somente pode restar um”. Confiando que ninguém mais nesse campo atingirá o seu patamar, o ex-Arena, ex-PDS, ex-PMDB, ex-PSDB, ex-PPS, ex-PSB, ex-Pros e futuro-ex-PDT acredita que os votos da esquerda cairão por gravidade no seu colo, habilitando-o a uma disputa no segundo turno contra Bolsonaro.
Será?
Embora a prisão de Lula represente um revés evidente para qualquer pretensão eleitoral, o ex-presidente continua sendo o maior cabo eleitoral do país. Mesmo que não consiga se candidatar novamente, Lula ainda dispõe de capital político bastante para embaralhar a sucessão e tornar a disputa mais imprevisível do que já é. Um novo dedazo de Lula pode não ser suficiente para eletrificar imediatamente um poste qualquer e catapultá-lo para 40% dos votos, como aconteceu com Dilma Rousseff. Mas o PT não precisa de tudo isso. Basta metade desse patamar para levar um candidato seu (provavelmente Fernando Haddad) à segunda ronda.
Não por acaso, o ex-presidente – curiosamente, a única cabeça ainda pensante no PT – descarta qualquer possibilidade de acordo no 1º turno com Ciro Gomes. Lula sabe que ele e Ciro carregam projetos antagônicos. Lula só apoiaria Ciro em último caso, e mesmo assim o faria a contragosto, porque sabe que correria o risco de transformar o PT em força auxiliar do cirismo. O ex-líder sindical tende a apostar todas as suas fichas nessa jogada, acreditando que, numa eventual disputa contra Bolsonaro, a maioria da população apoiaria Haddad com base na teoria do “mal menor”.
A verdade, portanto, é que o jogo eleitoral de 2018 continua mais aberto do que nunca. E o único sujeito capaz de desequilibrá-lo permanece, contra a vontade, no banco. Resta saber o que os demais jogadores farão para tentar neutralizá-lo.
O melhor texto que li até agora sobre o tema, sem dúvida! Sagacidade e ironia, que combinação, meu amigo, que combinação! Beijos
Obrigado, minha amiga. Você muito gentil, como sempre. Beijos.
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