Os frequentadores mais assíduos deste espaço devem ter reparado que, em algumas vezes, os posts semanais acabam sendo adiados de uma semana para outra, geralmente aparecendo às segundas-feiras. Via de regra, o atraso se dá aos contratempos pessoais deste que vos escreve. Neste caso, no entanto, o atraso foi proposital, pois o Autor estava à espera do desenrolar final da briga entre o sérvio Novak Djokovic e o governo da Austrália.
Para quem não acompanha tênis, ou mesmo esteja avesso às notícias relacionadas à pandemia de Covid-19, eis o resumo do caso. Número 1 do mundo, empatado com Roger Federer e Rafael Nadal em títulos de Grand Slam (20), Novak Djokovic é um conhecido antivaxer. Defensor de teorias extravagantes e adepto de estranhos gurus, Djokovic nunca fez questão de esconder que não se vacinaria com qualquer vacina desenvolvida para combater o coronavírus. Pior. Ao melhor estilo negacionista, por mais de uma vez chegou a promover aglomerações sem máscara, incluindo um torneio de tênis em sua terra natal no auge da pandemia, com dezenas de pessoas infectadas.
Nesta segunda-feira, iniciava-se o Australian Open. Primo pobre dos chamados “Majors” do tênis mundial (os outros três são Roland Garros, Wimbledon e o US Open), é no Australian Open que Djokovic coleciona o maior sucesso na busca pelo recorde de títulos do Grand Slam. Dos 20 títulos do sérvio, simplesmente 9 foram conseguidos na Land Down Under. Atual campeão e número 1 do ranking há dezenas de semanas, tudo indicava que o Djokovic amealharia mais um troféu na sua vitoriosa carreira. Seria o décimo título no Australian Open e o vigésimo primeiro em Grand Slams, apartando-se dos seus dois maiores rivais, Federer e Nadal.
E daí?
Daí que o governo da Austrália, um dos países que combateu melhor a pandemia de Covid, adota regras bastante estritas para a entrada de estrangeiros em seu território. Ou o sujeito tem duas doses de vacina na carteira, ou então esqueça; vai ser barrado na imigração. Aparentemente, a Tennis Australia (o equivalente tenístico da CBF deles) achou que o governo australiano não teria peito para barrar uma estrela do tamanho de Djokovic na imigração “simplesmente” por não estar vacinado. Juntamente com o governo do estado de Victoria, a Tennis Australia enviou a Djokovic uma “isenção” que supostamente lhe permitiria o ingresso na ex-colônia penal britânica, mesmo sem estar vacinado.
Ledo engano.
Ao anunciar pelo Instragram que havia conseguido a tal isenção e que, afinal, jogaria o Australian Open, Djokovic imediatamente detonou uma onda de insatisfação e repúdio na Austrália. Em um país no qual já se chegou a decretar lockdown por conta de UMA única morte entre os contaminados, aquilo parecia ser o supremo insulto. Como justificar para o cidadão australiano, que vem há dois anos penando na pandemia e fez de tudo para tomar as duas doses da vacina, que uma estrela estrangeira – ainda por cima um ícone anti-vacina – receberia a graça de entrar no país sem estar vacinado?
Evidentemente, houve muito de cálculo político quando se decidiu barrar Djokovic na imigração. Todavia, isso não elimina o fato de que não fica bem para país algum dar tratamento especial a quem se coloca tão abertamente contra a vacinação. Em tempos de pandemia, o exemplo conta muito. E admitir que o sérvio pudesse jogar o Australian Open sem contar com as mesmas vacinas exigidas a todos os outros jogadores soaria no mínimo como um privilégio injustificável aos olhos do grande público.
Para piorar, toda a história que motivou a tal isenção de Djokovic ficou envolta numa atmosfera nebulosa. O sérvio alega que não precisaria estar vacinado para entrar na Austrália porque se contaminara no dia 16 de dezembro. Como a imigração australiana permite a não vacinação nesses casos, Djokovic poderia jogar o Australian Open.
Ocorre, no entanto, que tal isenção somente se aplica a cidadãos australianos. Pode ser que Djokovic não soubesse dessa particularidade, mas é no mínimo curioso imaginar que tanto a Tennis Australia quanto o governo do estado de Victoria ignorassem a inaplicabilidade dessa regra ao sérvio. Fora isso, se de fato Djokovic testou positivo para Covid no dia 16 de dezembro, restaria explicar por que compareceu a pelo menos três eventos (um deles com crianças) depois dessa data, sem portar máscara em nenhum deles.
Ao melhor estilo petista, Djokovic saiu-se com um “não sabia” para justificar o comparecimento aos dois primeiros eventos no dia 16 de dezembro. Como não tinha como alegar o mesmo desconhecimento para a entrevista à L’Équipe no dia seguinte, o sérvio admitiu que compareceu ao evento sabendo-se contaminado. Por quê? Porque não queria “desapontar” os entrevistadores. Ninguém perguntou aos repórteres da revista francesa, mas é bem provável que eles preferissem o desapontamento ao risco de contrair covid.
Seja como for, a questão toda ficou pessimamente resolvida, tanto para a organização do torneio australiano, quanto para o próprio Djokovic. A Tennis Australia até agora não conseguiu explicar a razão pela qual conferiu ao sérvio uma papelada que supostamente autorizaria sua entrada no país e o próprio imbróglio judicial quanto à imigração de Djokovic acabou por eclipsar a questão.
O dano para Djokovic, contudo, foi muito maior. Se antes sua fama antivaxer era praticamente restrita ao mundo do tênis, agora não há ninguém no mundo que não saiba que o sérvio é contra a vacinação das pessoas, mesmo em tempos de pandemia. Para além da imagem, Djokovic poderá começar a perder patrocinadores. Afinal, quem gostaria de associar a sua marca a um sujeito assim?
Se até o começo do ano o sérvio era número 1 do mundo, candidato a recordista de Slams e pretendia se sagrar como “o melhor de todos os tempos”, hoje Djokovic se descobriu que nem só de grandes títulos se faz um grande campeão.
Foi o que Roger Federer e Rafael Nadal já descobriram, há muito tempo…