Quem tem coração fraco não sobrevive nesta terra. Eis aí a única certeza de quem nasce por estas bandas e, mais ainda, vive neste Brasil de Jair Messias Bolsonaro.
Depois de anunciar por mais de um mês a convocação de seus apoiadores para irem às ruas no 7 de setembro, o Presidente da República fez aquilo que toda a gente sabia e , francamente, já imaginava: pôs fogo no parquinho. Diante de duas multidões que lhe pediam “manda brasa!”, brasa o Presidente mandou. Vociferou um monte de impropérios contra o Supremo Tribunal Federal, com direito ainda ao emprego de vocabulário de baixo calão contra um de seus ministros: Alexandre de Moraes. Nas horas seguintes, passou-se o óbvio: o mundo caiu.
Não houve em parte alguma, ao contrário das fake news que corriam no zap profundo, nenhum levante das polícias militares. Embora muita gente boa temesse pela adesão dos PMs às manifestações, numa demonstração clara de quebra da hierarquia e da disciplina, os policiais atuaram com impecável profissionalismo, sem em qualquer momento manchar a farda que vestem. E as Forças Armadas, foco central da atenção de qualquer possível insurreição armada, mantiveram-se a todo tempo em obsequioso silêncio.
Não se sabe se de fato o Presidente contava com ambas para fazer a sua “demonstração de força” no 7 de setembro, mas o fato é que, no final do dia, restou-lhe somente a turma que resolveu sair às ruas vestida de verde e amarelo. Considerando-se que os atos foram arquitetados por mais de um mês, com intensa campanha de bastidores para inflá-los com a maior quantidade possível de pessoas, o resultado final não chegou a impactar ninguém. 40 mil pessoas em Brasília e 115 mil em São Paulo estão longe de ser irrelevantes, mas, nesse contexto, não causam grandes comoções. Na melhor das hipóteses, Bolsonaro conseguiu demonstrar que consegue ainda juntar bastante gente na rua, mas longe de provar que “o povo” está ao seu lado.
Sem “o povo” para emparedar as instituições, restou ao Presidente lidar com o mundo real. E, no mundo real, a reação esteve bem longe de ser favorável a Bolsonaro. Os povos das finanças (mais conhecido como “O Mercado”) jogou o dólar nas alturas e fez a bolsa derreter 4% na quarta-feira, dia 8. Luiz Fux, presidente do STF, rodou a baiana e mandou avisar que “ninguém fechará esta Corte”. Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, foi mais incisivo ainda e chegou a chamar o Presidente de “farsante”. Como se tudo isso não bastasse, líderes de partidos de direita e de centro voltaram a manejar a palavra maldita em Brasília: impeachment.
Sentido o cheiro de queimado, Bolsonaro pensou em alguma forma de sair das cordas. Foi aí que imponderável resolveu ressuscitar um dos políticos mais astuciosos dos nossos tempos: o ex-presidente Michel Temer.
Famoso por sua capacidade de articulação e pelo gosto pelas mesóclises, Temer sugeriu a Bolsonaro que escrevesse uma carta dirigida à Nação. Dando o dito pelo não dito, o Presidente diria, em resumo, que nunca quis brigar com ninguém e que tudo aquilo não passara da emoção causada pelo “calor do momento”. Foi o suficiente para a Bolsa de São Paulo subir 4 mil pontos em 10 minutos, o dólar cair 2% e o mundo político respirar aliviado pelo fim de mais uma crise.
Mas será que a crise acabou?
Que Bolsonaro teve de recuar para não enfrentar consequências ainda piores do que as já enfrenta pelas crises que provoca, não resta a menor dúvida. Que os seus apoiadores mais fiéis reclamariam diante de uma tal “capitulação”, chegando ao cúmulo de chamá-lo de “traidor” nas redes insociáveis, também era mais ou menos esperado. A única surpresa de fato nessa história toda foi a ressurreição de Temer, um político que se pensava aposentado e para o qual pouca gente dava bola pelo menos até a semana passada. A resposta a essa questão, portanto, passa por saber se, dessa vez, o recuo de Bolsonaro foi pra valer, ou se foi apenas mais uma jogada para ganhar tempo até a próxima crise que sucederá.
À primeira vista, é difícil imaginar que o reaparecimento de Michel Temer possa significar alguma forma de retorno do ex-presidente à ribalta brasiliense. Com 80 anos de idade e o “legado” de comandar o governo mais impopular da histórica, é no mínimo duvidoso acreditar que Temer possa querer voltar a se imiscuir no jogo baixo da política ordinária como uma espécie de “avalista político” do governo Bolsonaro. Até porque, convenhamos, é improvável que Temer, sem ter o controle sequer do seu MDB, possa pretender arvorar-se o posto de “Senhor do Centrão”.
À segunda vista, tampouco dá pra imaginar que o Presidente tenha de fato abandonado sua verve, digamos, “polêmica”, para entrar definitivamente numa fase “paz e amor”. A uma, porque construiu a sua carreira e a sua persona pública fazendo exatamente o contrário. E a duas, porque sem radicalizar para seu público mais sectário, arrisca-se a perder a base que hoje lhe garante passagem ao segundo turno em 2022.
O mais provável, portanto, é que a carta escrita por Temer e assinada por Bolsonaro tenha sido apenas parte de um recuo estratégico, destinado a deixar a poeira baixar e permitir ao Presidente reaglutinar forças e estudar melhor o cenário. De quebra, a trégua com as instituições pode permitir que o tal “Mercado” sirva-lhe algum refresco, desanuviando o salseiro nas finanças e trazendo melhores perspectivas econômicas para o ano que vem, sem as quais o propósito reeleitoral de Bolsonaro dará certamente com os burros n’água.
“Não creio em recuo de Bolsonaro, é um documento escrito, não é uma fala verbal”, argumenta em contrário Michel Temer. Afinal, para usar o latim que lhe é tão caro, verba volant, scripta manent. O tempo, contudo, poderá dizer se Bolsonaro é um presidente que não diz o que escreve, ou se é um Presidente do qual não se escreve o que diz.