1 ano de Covid – Parte II, ou O tamanho do drama brasileiro

Há pouco mais de duas semana, foi escrito aqui no Blog um post para recordar o “aniversário” de um ano da pandemia de Covid-19. No entanto, o post de então apenas observou a questão sob uma ótica vulgar, isto é, de qual era a percepção do Brasil (e do mundo) sobre os 365 dias que se passaram desde que houve o primeiro diagnóstico de coronavírus no país.

Todavia, em momento algum foi analisada a questão sob a ótica científica. É dizer: sabemos que o Brasil – para usar uma linguagem bem cara ao mercado financeiro – “performou” muito mal neste ano que passou. Mas, do ponto de vista da Ciência, como estamos e o que esperar desses próximos 365 dias que se avizinham?

Que estamos mal, toda a gente sabe. Acabamos de bater mais um recorde de mortos diários, com a média móvel dos últimos 7 dias já tendo batido a casa dos dois mil óbitos. E, até o final de março, não será surpresa pra ninguém se as mortes diárias ultrapassarem a casa do terceiro milhar. Traduzindo os números em eventos concretos, isso significa mais ou menos um ataque terrorista equivalente ao 11 de setembro ocorrendo por dia no Brasil. Todos os dias.

Em que pese todas as evidências em sentido contrário, ainda há gente por aí a defender que “é isso mesmo”. Por essa ótica míope e deturpada, não importam as mortes aos milhares de pacientes em filas de UTIs, porque os hospitais não comportam mais a quantidade de doentes que se avoluma em seus leitos. A “idéia” é fazer todo mundo pegar a doença, porque, assim, atingiríamos a tal “imunidade de rebanho”, sem precisar adotar medidas drásticas, como o lockdown. Sem meias palavras, trata-se de rematada tolice.

Para além da falta de evidências científicas que amparem minimamente essa “tese”, o fato é que já estamos há mais ou menos um ano empregando algo muito parecido com isso. Manaus é o exemplo mais bem acabado dessa tragédia. Tendo sofrido o pior pandemônio do país na primeira onda ano passado, repetiu o drama neste ano de forma muito pior. Não só o sistema de saúde colapsou por completo, como, em determinado ponto, nem sequer oxigênio houve para fazer frente às necessidades dos internados. Houve, portanto, pessoas que morreram não por covid, mas literalmente sufocadas pela falta de ar nos respiradores.

Manaus também é o exemplo mais emblemático do quão estúpida é essa idéia de que “ah, deixa todo mundo pegar, que uma hora todo mundo fica imune”. Errado. Como se viu com a variante amazônica, o descontrole desenfreado da pandemia permite que um vírus altamente volátil circule livremente, aumento exponencialmente os riscos de mutação. Resultado: uma variante (P.1) que escapa aos anticorpos de quem já desenvolveu a doença anteriormente, permitindo uma nova infecção mais contagiosa e letal.

Exatamente por conta disso, nosso drama é muito pior do que a maioria das pessoas imagina. Muita gente boa está se fiando no fato de que, por mais vagaroso que seja nosso ritmo de vacinação, uma hora a vacina vai chegar e nós vamos conseguir sair dessa. Ocorre, no entanto, que, se nós não começarmos a controlar a pandemia desde já, é possível que surjam novas variantes que escapem não somente às defesas que o organismo já desenvolveu naqueles que foram infectados, mas até mesmo às defesas que as vacinas estimulam.

Loucura?

Muito pelo contrário. O que se está falando aqui já acontece na prática. Basta saber que a vacina da Johnson & Johnson demonstrou uma eficácia superior a 85% contra o coronavírus “original”, por assim dizer. A mesma vacina usada contra a variante sul-africana, no entanto, demonstrou uma eficácia de somente 55%. Isso não foi suficiente para invalidar a vacina como um todo, mas é o bastante para demonstrar o quão perigoso é deixar o vírus correr solto livremente e arriscar novas variantes que simplesmente inutilizem as vacinas que hoje existem no mundo.

E o problema não pára por aí. Mesmo vacinas reconhecidamente eficazes, como as da Pfizer ou as da Moderna, comprovaram todo o seu poder de ação com a aplicação em massa nas populações de alguns países, tais como Israel e Estados Unidos. Ocorre, no entanto, que ninguém sabe ainda por quanto tempo essas vacinas garantem imunidade. Uma vez que não transcorreu tempo suficiente para análises, essa é uma pergunta ainda sem resposta.

A vacina da gripe, por exemplo, tem que ser renovada anualmente. Se o mesmo ocorrer com as vacinas contra a Covid, isso pode significar que, quando estivermos terminando de vacinar a população em 2022, as primeiras pessoas que estão sendo vacinadas agora terão de tomar uma nova dose de vacina já no ano que vem. E isso, destaque-se, se o ritmo de vacinação tão lento não permitir que pessoas ainda não vacinadas entrem em contato com pessoas já vacinadas e, por alguma infelicidade do destino, dêem origem a uma nova cepa que escape completamente ao controle vacinal.

Nossa corrida pela vida, portanto, é também uma corrida contra o tempo.

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