Atualizando o Blog em dia incomum, ante problemas técnicos ontem do WordPress, vamos falar de algo que curiosamente passou batido a quase todo mundo: a reportagem da revista Piauí sobre o que teria ocorrido no Planalto no dia 22 de maio deste ano.
O dia era uma sexta-feira. Pouco mais de um mês antes, Sérgio Moro pedira demissão do Ministério da Justiça numa estrepitosa coletiva de imprensa, acusando o Presidente da República de querer interferir na Polícia Federal. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal – montado no polêmico inquérito das fake news – começava a fustigar apoiadores do Presidente. E, como se tudo isso não bastasse, nesse mesmo dia o Ministro Celso de Mello liberou, quase na íntegra, o vídeo da famosa reunião ministerial do dia 22 de abril.
De acordo com a reportagem, o Presidente da República reagia exasperado à notícia de que o Ministro Celso de Mello enviara à Procuradoria-Geral da República um pedido promovido por partidos políticos para que seu celular fosse apreendido. Tratava-se, como se sabe, de uma providência banal, rotina para quem conhece o mínimo de direito processual penal. Mesmo assim, em um rompante, o Presidente teria dito: “Vou intervir!”. “Intervir”, no caso, seria mandar tropas ao STF para “destituir” os seus ministros e nomear interventores em seu lugar até “quando aquilo estivesse em ordem”, segundo o texto.
A Piauí relata que, após o rompante, teriam se seguido reuniões entre ministros e conselheiros jurídicos sobre a “forma” com a qual a “intervenção” ocorreria. Teria havido até quem sugerisse a indefectível leitura golpista do artigo 142 da Constituição, segundo a qual as Forças Armadas formariam uma espécie de “Poder Moderador” e estariam habilitadas a “intervir” em caso de conflito entre poderes, um terraplanismo jurídico da pior espécie (para saber mais, clique aqui).
Que é uma reportagem impactante sob qualquer aspecto que se a observe, não resta a menor dúvida. O que a Piauí detalha em seu texto é, sem meias palavras, uma tentativa clara de perpetração de um golpe de Estado. Se – e ressalta-se aqui com a necessária ênfase o “se” – for verdade o que lá está dito, o país esteve à beira do precipício naquele dia 22 de maio, com um Presidente querendo golpear a Suprema Corte do país e “juristas” de ocasião – sempre eles – em busca de formas de legitimar juridicamente um ato de exceção.
Curiosamente, ao grau de octanagem do texto não correspondeu uma reação à altura, nem dos envolvidos, nem da opinião pública. Do Planalto não veio palavra, nem sequer para desmenti-la. Congresso, PGR e Supremo – a instituição que seria objeto de intervenção – preferiram guardar obsequioso silêncio. Até mesmo a grande mídia – toda ela: Globo, Folha, Uol, Estadão e afins – foi subitamente tomada de uma miopia atroz, deixando passar em brancas nuvens o que seria capa de jornal em qualquer lugar do mundo.
É o caso, portanto, de se parar e de se pensar. De duas, uma: ou a reportagem da Piauí é mentirosa e, como tal, deveria ser desmentida com veemência pelos supostos envolvidos nessa trama diabólica; ou a reportagem é verdadeira, e aí seria o caso de tentar compreender a razão pela qual todo mundo resolveu ficar em silêncio sobre ela.
Operando-se aqui no campo da mais pura especulação – até porque, repita-se, não há qualquer garantia acerca da veracidade da reportagem -, o silêncio das tais “instituições” seria obra de puro medo. Como os fatos relatados datam de três meses atrás, os principais atores envolvidos poderiam estar com receio de se insurgir pedindo explicações e atiçar novamente uma suposta crise que já teria morrido. Da mesma forma, o mutismo da sempre loquaz mídia mainstream também seria fruto do receio; receio de que a cobrança de explicações possa entornar o caldo de uma fervura cujo ponto de ebulição parece ter passado. Se de fato esse for realmente o caso, já estaríamos todos a caminho do brejo.
Como se sabe, o princípio fundamental de qualquer democracia é a liberdade. Liberdade de pensar, liberdade de ir e vir, liberdade de criticar e, obviamente, liberdade para as instituições agirem. Se – ressaltando mais uma vez a conjunção condicional – de fato houve uma tentativa malograda de golpe naquela fatídica sexta-feira, o mínimo que se esperaria seria jornais e revistas “caindo em cima” do escândalo e relatando aos quatro ventos o ocorrido. Do outro lado, o mínimo esperado das tais “instituições” seria a abertura imediata de um processo criminal, por suposta violação à Lei de Segurança Nacional. E, provando-se a participação do Presidente e de seus ministros no episódio (e ninguém está aqui afirmando que isso aconteceu), a abertura também imediata de um processo de impeachment no Congresso Nacional contra os envolvidos. Mas, se – SE – houve o crime, nada acontece e todo mundo resolve se fingir de morto, aquilo que entendemos como “democracia” já estaria gravemente ferida de morte.
Poucos dias depois daquele 22 de maio, aqui se escreveu que a democracia brasileira parecia estar a perigo. Para o bem de todos e tranquilidade geral da Nação, o melhor seria que o caso fosse esclarecido rapidamente, seja para negar peremptoriamente a reportagem, seja para confirmá-la.
Mas, se todo mundo resolver ficar em silêncio…