Os 50 anos do Tri

Talvez a pandemia tenha tirado um pouco do brilho das comemorações, mas, no último dia 21 deste mês, completaram-se 50 anos desde que o escrete canarinho bateu a Itália no Estado Azteca, na Cidade do México. Numa só tacada, os comandados de Zagallo conquistaram o tricampeonato mundial da Fifa, receberam em definitivo a taça Jules Rimet e consagrou nomes como Gérson, Rivellino, Tostão e, claro, Pelé no panteão dos grandes craques do futebol mundial.

Isso é o que todo mundo sabe. Mas como se chegou naquele mágico dia 21 de junho de 1970 é coisa completamente diferente. Quem viu aquele time ser construído dificilmente apostaria que dali sairia o melhor, o mais técnico, mais vistoso e o mais insuperável time de todos os tempos.

SELEÇÃO BRASILEIRA DE 70 | Seleção brasileira, Seleção brasileira ...

De início, a seleção sofreu uma reviravolta a menos de três meses da competição. Até então, o técnico era o temido João Saldanha (ou “João Sem-Medo”, para os íntimos). Jornalista de ofício, comunista por opção, Saldanha montara um escrete sensacional. Nas eliminatórias para a Copa do Mundo, o time de Saldanha saiu invicto. Tal era a qualidade e a desenvoltura do time que os jogadores ganharam o apelido de “Feras do Saldanha”.

Mas, se sobrava capacidade técnica a João Saldanha, faltava-lhe o indispensável jogo de cintura para o segundo cargo mais relevante do país depois do Presidente da República. Vivendo o pior período da ditadura militar, não passava pela cabeça de Saldanha baixar a cabeça para ninguém, nem mesmo o General Emilio Garrastazu Médici. Médici fez campanha aberta pela convocação de Dadá Maravilha, ao que Saldanha respondeu: “Ele escala o ministério, eu convoco a seleção”.

O atrevimento certamente não ajudou, mas não foi (só) por isso que Saldanha caiu. O técnico teimara com uma suposta miopia de Pelé e chegou a ir à TV para explicar a razão pela qual o Rei não poderia jogar. Fora isso, no último amistoso dentro do Brasil, o time passou um sufoco absolutamente sem sentido contra o fraquíssimo Bangu. Saco de pancadas do Carioca daquele ano, o time do Moça Bonita saiu na frente (1×0) e a seleção só empatou lá pelo fim do segundo tempo, quando o próprio treinador do Bangu colocou nove – NOVE – reservas em campo.

Dois dias depois, o então presidente da Confederação Brasileira de Desporto, o belga Jean Marie Faustin Godefroid Havelange (ou “João Havelange”, como queiram), interveio na comissão técnica. “Intervir”, claro, é força de expressão, porque só Saldanha foi mandado embora. Lydio Toledo (médico), Admildo Chirol (preparador físico) e um então desconhecido Carlos Alberto Parreira (assistente) continuaram no grupo. Para o lugar de Saldanha, Havelange trouxe o bicampeão do mundo e técnico do Botafogo: Mário Jorge Lobo Zagallo.

Zagallo vinha de uma experiência de muito sucesso como treinador do Botafogo. Mesmo assim, chegara cercado de desconfiança. Não só por conta das circunstâncias em que Saldanha foi demitido, mas, principalmente, porque seu primeiro ato como treinador foi justamente convocar Dadá Maravilha para a seleção.

Em tese, o time do Brasil estava montado. Saldanha deixara a seleção pronta e arrumada para a Copa. Na sua cabeça, restaria apenas o polimento e mais alguns ajustes. O resto já estaria feito. Mas Zagallo, por óbvio, tinha outros planos.

O time-base escalado por Saldanha era Félix; Carlos Alberto, Djalma, Joel e Marco Antônio; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Era um time de craques e muito bem equilibrado entre ataque e defesa. Mas havia um problema. Quem, em sã consciência, deixaria Rivellino no banco do time (e, de resto, de qualquer outro time)?

Do ponto de vista tático, o problema era insolúvel. O esquema-padrão naquela época era o 4-2-4, com dois volantes e dois pontas no ataque. O Brasil já tinha quatro camisas dez na sua escalação: Pelé (Santos), Gérson (São Paulo), Jairzinho (Botafogo) e Tostão (Cruzeiro). Acrescentar Rivellino  (o dez do Corinthians) à mistura significaria escalar meio time de camisas dez e rezar para que de alguma forma a combinação desse certo.

Zagallo, então, resolveu promover uma revolução tática, que não foi reconhecida à época e, até hoje, não foi inteiramente assimilada pela mídia esportiva. Mantido o goleiro (Félix), Zagallo mudou inteiramente a zaga. Deixou o capitão Carlos Alberto na lateral-direita e tirou o restante. Brito entrou como zagueiro central e Piazza foi recuado da posição de volante para a de quarto-zagueiro. Na lateral-esquerda, o contundido Marco Antônio deu lugar a Everaldo.

Mas foi do meio pra frente que Zagallo realmente chacoalhou o time. O meio seria formado por Clodoaldo e Gérson, o grande cérebro do time. Na frente, um assombro: Rivellino, Tostão, Pelé e Jairzinho. Todos craques, todos no auge da forma. Mas todos, salvo Pelé, jogando fora de posição.

Rivellino deixaria de ser o tradicional camisa 10 do Corinthians e passaria a atuar como ponta-esquerda. Um sacrilégio para a maioria, principalmente porque no banco havia dois dos maiores pontas-esquerda da história da seleção: Edu e Paulo César Caju. Tostão, 0 10 do Cruzeiro, atuaria como um “falso centroavante”, jogando de costas para o gol, de maneira a tabelar e armar as jogadas para quem vinha de trás. Já Jairzinho, 0 10 do Botafogo, fora arremessado para a ponta-direita. Só Pelé atuaria da forma com a qual estava acostumado, como 10 do Santos.

O que tinha tudo para ser um desastre revelou-se uma jogada de mestre. Com muito treino físico e três meses de intensivos treinos táticos, Zagallo conseguiu fazer com que meio time de camisas 10 jogasse como uma seleção de verdade. Se no papel o time estava montado como um 4-2-4, na prática jogava como um 4-3-3. Ou, para quem quiser ser mais moderno, como um 4-2-3-1.

Rivellino era oficialmente ponta-esquerda, mas recuava para compor o meio de campo como Clodoaldo e Gérson, ajudando na marcação e na armação das jogadas. Na zaga, Brito, Piazza e Everaldo plantavam seus pés no chão, o que liberava Carlos Alberto para avançar ao ataque quase como um ponta-direita, suprindo a “ausência” de Jairzinho como um típico ponta. Na frente, Pelé avançava de frente para o gol, enquanto Tostão ficava enfiado entre os zagueiros e de costas para a meta, ajudando nas tabelas e na armação do ataque.

Dali por diante, o que viu foi uma máquina de jogar bola. Sem dar chance a ninguém, jogando o futebol mais bonito que jamais se vira, a seleção canarinho foi derrubando um a um os adversário. De quebra, Pelé, no auge, brindava o mundo com os “quase-gols” mais bonitos de todos os tempos.

Como se tudo isso não bastasse, o encerramento dessa grande jornada, o grande fecho desse histórico time, deu-se com uma goleada de 4×1 contra a então bicampeã Itália. E não só isso. O último gol, uma pintura, é tido e havido como o gol mais bonito de todas as Copas do Mundo.

Ele começa com Tostão recuperando a bola na intermediária brasileira. Depois de rodar pela Zaga, Gérson e Pelé, Clodoaldo pega a bola e dribla quatro italianos em sequência, para só depois entregá-la a Rivellino. O “Reizinho do Parque” lançou imediatamente para Jairzinho.

Sabendo que a zaga italiana marcava homem-a-homem, Jairzinho saíra da ponta-direita e viera à ponta-esquerda, para receber a bola. Com ele, veio também Facchetti, o lateral-esquerdo italiano. Jairzinho passa então a bola para Pelé, majestoso no cabeça da área, como se dominasse todas as ações em campo.

Pelo canto do olho, o Rei vê Carlos Alberto vindo desembestado pela avenida deixada por Facchetti ao sair para marcar Jairzinho. Com toda a categoria que Deus lhe deu, Pelé simplesmente rolou a bola mansamente numa diagonal em direção ao ponto em que chegaria Carlos Alberto, como se dissesse: “Faz!”

Caprichosa, a bola ainda deu um pequeno salto antes do chute cruzado de Carlos Alberto, permitindo que o eterno “Capita” a pegasse “na veia”e encerrasse com chave de ouro a conquista mais sensacional que o futebol jamais conheceu. O melhor time, do melhor técnico, com os melhores craques, terminava sua participação naquela Copa conquistando o campeonato com o gol mais bonito de todos os tempos.

E tem gente que ainda não acredita em milagres…

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