Essa nem o mais louco roteirista de Hollywood poderia imaginar.
Passados mais de dois anos de sua aposentadoria, o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, resolveu transformar em livro as histórias que vivenciou em um dos períodos mais críticos da história nacional. Entre diversas inconfidências – ou seriam confissões? – a dois repórteres responsáveis por transformar a entrevista em livro, Janot surpreendeu a todos com a descrição de um crime que jamais veio a ocorrer: o assassinato do ministro do STF, Gilmar Mendes, seguido por seu suicídio. Tudo isso em pleno edifício do Supremo Tribunal Federal.
Seja a confissão um ato espontâneo de contrição, seja uma jogada de marketing para catapultar o lançamento de um livro que pouca gente estaria disposta a ler, o fato é que a revelação feita por Janot adiciona pitadas de insensatez em um quadro que já se revela por demais surreal. Deixando-se de lado a circunstância de que Gilmar Mendes é uma das figuras mais odiadas da República, o fato é que quando se tem alguém que ocupou o mais alto cargo do país em matéria de preservação da lei dizendo que pensou seriamente em recorrer à violência para resolver uma questão pessoal, algo de muito errado está acontecendo.
Como acontecimentos infelizes ocorrem em série, à bizarra revelação de Janot sucedeu-se um esdrúxulo movimento de autopreservação do STF. No já famoso e famigerado “inquérito secreto”, o ministro Alexandre de Moraes determinou a busca e apreensão da arma com a qual Janot planejara em segredo matar Gilmar Mendes, bem como determinou a proibição de que o ex-PGR adentrasse o recinto do Supremo ou se aproximasse de qualquer um de seus ministros.
As providências determinadas por Alexandre de Moraes são extravagantes porque: 1) qualquer segundanista de Direito sabe que não se pune cogitação de crime, senão o próprio crime praticado (Cogitationis poenam nemo patitur); 2) a suposta preparação homicida-suicida data de mais de dois anos, não havendo qualquer atualidade que justificasse uma medida cautelar penal; e 3) não há qualquer relação entre o objeto do inquérito secreto – investigação da fake news contra ministros do STF – com o fato revelado pro Janot.
Na verdade, o inquérito aberto por determinação do ministro Dias Toffoli encerra uma série de incongruências que ninguém até hoje conseguiu explicar. Para além do fato de estar sendo conduzido à revelia do Ministério Público e violando a regra da distribuição processual aleatória – Toffoli simplesmente indicou Alexandre de Moraes em um dedazo -, nesse “Inquérito do Fim do Mundo” tudo é investigado – pois nele cabe qualquer coisa – e nada é investigado – pois ninguém fica sabendo do encaminhamento das investigações.
Nessa balbúrdia, o STF ocupa, a um só tempo, a posição de vítima, investigador e julgador. Tudo isso ladeado, agora, por um ex-procurador-geral da República com tendências homicidas, impedidas apenas por uma suposta intervenção divina no ato final de seu ato de vingança. O enredo fantástico das instituições brasileiras tem, portanto, um quê de Dias Gomes. Mas, no lugar de Lima Duarte e seu Zeca Diabo, tem-se uma tragicomédia do tipo pastelão, encenada por um ator de segunda.
Observando-se o cenário como um todo, a única conclusão a que se pode chegar é a de que o Brasil se transformou em um roteiro de David Lynch: é tão surreal que ninguém sabe aonde vai parar.
Pingback: Planalto x Supremo, ou A democracia em perigo | Dando a cara a tapa