A novela continua.
Desde quando o The Intercept Brazil revelou que recebera mensagens trocadas pelo Telegram entre os integrantes da Lava-Jato e o então juiz Sérgio Moro, o mundo político e jurídico têm sido convulsionados pelo vazamento a conta-gotas dessas inconfidências. Ao lado de uma relação abertamente promíscua entre juiz e acusação, agora aparecem informações ainda mais constrangedoras, dando conta da intenção do coordenador da Operação, Deltan Dallagnol, de aproveitar a superexposição favorável na mídia para “lucrar” com palestras.
Os envolvidos nos vazamentos, claro, continuaram na mesma estratégia que adotaram desde que o escândalo foi revelado. “Negam sem negar” a veracidade do conteúdo divulgado, argumentando a possibilidade de edição das conversas, ao mesmo tempo em que refutam qualquer ilegalidade nos diálogos obtidos pelo suposto hacker. Trata-se, todavia, de um beco cada vez mais sem saída, porque tanto não faz sentido falar em edição de diálogos que seriam “inofensivos”, como a autenticidade já foi reafirmada por mais de um veículo de comunicação, aí incluídos os insuspeitos Reinaldo Azevedo e Veja (que podem ser acusados de tudo, menos de serem “comunistas”).
Para além das eventuais ilegalidades que comprometam a lisura do julgamento de alguns réus da Lava-Jato – Lula à frente -, o que há de mais revelador nos diálogos até aqui vazados diz respeito à alma da comunidade jurídica que hoje se espraia por quase todo o Judiciário brasileiro. Tanto no caso de Sérgio Moro quanto no caso de Deltan Dallagnol, o maior pecado que se enxerga – além da vaidade, é claro – é o triste fenômeno do carreirismo.
O carreirismo é uma doença que acomete certas instituições públicas já há algum tempo. Não é de hoje que funcionários públicos são assomados por um desejo incontrolável de subir na vida, nem que para isso seja preciso pisar na própria mãe pelo caminho. Em cada trabalho executado, em cada palestra proferida, sente-se no ar o discreto perfume da auto-promoção pessoal, como se o sujeito utilizasse cada segundo de holofote ou de microfone para fazer marketing de si mesmo. O intuito, claro, é subir o mais rapidamente possível na carreira, pois a morte para o carreirista é ficar onde está ou – suprema heresia – ter que esperar na fila a sua vez de escalar o degrau.
É evidente que ter ambição na vida não pode ser tido como algo intrinsicamente mal. Afinal, não dá pra achar que todo mundo vai ficar satisfeito se ficar para sempre no mesmo canto. Mas, para a imensa maioria das pessoas, o crescimento profissional dá-se a partir do reconhecimento da seriedade do seu trabalho, não à base da capacidade de se auto-promover perante os seus superiores. O traço distintivo entre o funcionário público comum e o carreirista, portanto, é o fato de que o primeiro encara a ascensão na carreira como consequência do seu trabalho, não como objetivo dele. O problema é que se antes os carreiristas davam as caras com mais frequência em setores como o Exército ou o Itamaraty, agora parece que vicejam como ervas daninhas também nas carreiras jurídicas, magistratura e ministério público em especial.
Não que se trate de fenômeno novo, que fique claro. Atire a primeira pedra à equipe da Lava-Jato quem nunca se deparou, por exemplo, com um(a) juiz(a) federal que só julga a favor da União, pensando que assim ascenderá de forma mais rápida ao seu respectivo Tribunal Regional Federal. Afinal, salvo no critério de antiguidade, é o Presidente da República – ou seja, o “chefe da União” – que escolhe quem vai ser desembargador.
Da boca pra fora, o sujeito costuma encampar o discurso de que assim age na “defesa do patrimônio público” ou em “defesa da sociedade”, esquecendo-se de que um magistrado não está ali para fazer uma coisa nem outra. Quem defende o patrimônio público são os advogados da União. E quem entra na defesa da sociedade é o Ministério Público. O papel do juiz é julgar o processo de forma imparcial, de acordo com as provas existentes no processo. Quando o sujeito parte de uma concepção pré-fabricada de que toda pessoa que litiga contra a União é um estelionatário em potencial, a balança que equilibra os pratos da Justiça fica em evidente descompasso.
O que há de pior no escândalo da Vaza-Jato, portanto, é a constatação de que pessoas investidas em alguns dos cargos mais importantes da República podem transformar suas investiduras em plataforma de campanha para alcançarem vôos mais altos, seja para seguir a carreira política (caso de Moro), seja para lucrar financeiramente com sua exposição midiática (caso de Dellagnol). Quando isso acontece, o descrédito de suas atividades não fica restrito somente a eles, mas atinge a toda a instituição da qual fazem parte.
E esse, infelizmente, é um dano muito difícil de ser reparado…
Excelente!
Obrigado, meu caro. Um abraço.