Depois de uma semana turbulenta, Sérgio Moro resolveu sair da defensiva e partir para o ataque. Após ser alvejado pelo vazamento de diálogos que manteve com Deltan Dallagnol enquanto foi o juiz responsável pela Operação Lava-jato, Moro se antecipou a uma convocação certa e tentou sair das cordas em que foi colocado depois da reportagem do The Intercept Brazil.
Do ponto de vista da opinião pública, a coisa ficou mais ou menos no zero a zero. Quem achava que Moro tinha razão continuou achando. E quem achava que Moro não tinha razão permaneceu na mesma. É fato que um depoimento preparado diante de um Senado carente de figuras como Ruy Barbosa, Franco Montoro ou Mário Covas ajuda qualquer um. Moro saiu sem grandes escoriações do embate menos por mérito seu e mais pela incapacidade da maioria dos senadores de conseguir colocá-lo em posição desconfortável. É uma pena porque, tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista político, o problema continua do mesmo tamanho.
Desde quando as transcrições das conversas no Telegram foram divulgadas, Moro e os procuradores do MPF adotaram uma postura francamente contraditória. A princípio, disseram que os diálogos eram corriqueiros e que não havia ali “nada de mais” (e não “nada demais”, por favor). Como o caldo entornasse, Moro, Dellagnol e Cia. tentam agora se reposicionar em cena alegando que os vazamentos são produto de crime (o que ainda não é certo) e que não podem confirmar a “veracidade” do que neles está contido (negativa que escapou em um primeiro momento).
Ora, ou os diálogos não contêm “nada de mais” e, portanto, não há razão para questionar uma eventual manipulação de “hackers” ou mesmo do Intercept (algum hacker se dignaria a forjar um diálogo que não contivesse nada de comprometedor?); ou os diálogos contêm indícios comprometedores de manipulação processual, e, nesse caso, não há porque duvidar da sua autenticidade (o que justificaria uma eventual invasão de um “hacker). O que não se pode admitir é que as conversas divulgadas sejam, a um só tempo, falsas e não contenham nada de mais, porque tais hipóteses são excludentes entre si.
Para além dessa contradição evidente, no depoimento de hoje no Senado Moro deixou diversas questões em aberto. Não explicou, por exemplo, quando foi feito o convite para que assumisse o cargo de Ministro da Justiça do futuro governo Bolsonaro. Sabe-se apenas que foi durante a campanha, o que por si só depõe contra a isenção que se espera de um magistrado (cuja atividade política é vedada por disposição constitucional). Moro tampouco esclareceu se deixaria auditar a sua conta no Telegram, caso ela ainda esteja na nuvem do aplicativo.
Tampouco ficou esclarecido o caso da investigação sobre o Instituto Fernando Henrique Cardoso. Sabe-se que Moro consultou Dellagnol sobre a investigação sobre o ex-presidente, recomendando que não se avançasse para “não melindrar alguém cujo apoio é importante”. Moro reagiu dizendo que a investigação nunca passou pelas suas mãos, mas é justamente este o ponto: se o caso de Fernando Henrique nunca esteve sob sua jurisdição, por que orientar o MPF a respeito do que fazer com ele? E, pior, por que seria necessário “não melindrar” o ex-presidente para ter o “seu apoio”?
Houve, como esperado, muitos momentos de fina ironia histórica, como quando se perguntou ao ministro sobre sua posição acerca do pacote de “10 medidas contra a corrupção”, que autorizaria o uso de provas ilícitas, ou quando se perguntou se ele mantinha o mesmo tipo de diálogo com advogados de defesa. Nessas ocasiões, Moro saía pela tangente sem ser importunado pelos seus inquisidores.
Espertamente, Moro tenta associar todo o trabalho da Lava-Jato à sua figura pessoal, como modo de polarizar com os críticos, numa tentativa implícita de dizer que quem o critica está “do lado dos corruptos” e quer “melar a operação”. Trata-se, todavia, de uma estratégia de fôlego curto. A uma, porque a Operação Lava-Jato é muito maior do que Moro e mesmo Curitiba. A duas, também porque, até o momento, apenas um caso específico parece maculado pela quebra da imparcialidade: o caso do ex-presidente Lula. Logo, é falso ou no mínimo exagerado querer dizer que o decreto de suspeição de Moro colocará em risco toda a operação.
Seja como for, o fato é que a figura do “Moro Super-Herói” morreu. É claro que grande parte da população pratica a filosofia do “mata-e-esfola” e entende que, “se foi para tirar o PT e os corruptos do poder”, tudo vale. Mesmo assim, nenhum operador do Direito minimamente isento poderá dizer que os diálogos relevados entre Moro e Dellagnol não colocam em dúvida a sua imparcialidade e a isenção do seu julgamento no caso de Lula. E, o que é ainda pior, o julgamento da História dificilmente será favorável a um juiz que agiu da forma como ele agiu, por mais nobres que fossem os seus propósitos.
Não se sabe ainda como isso tudo vai terminar. A única certeza que se pode obter desde já é a conclusão de que o Brasil não precisa de super-heróis. Precisa é que suas instituições sejam sólidas e funcionem. Quando isso for entendido, quem sabe conseguiremos dar mais um passo no caminho da civilização.