Era só que faltava.
Depois de reinventar a sua jurisprudência, passar batido por diversos casos penais e voltar atrás com o rabo entre as pernas quando confrontado com alguns políticos poderosos, agora o Supremo Tribunal Federal resolveu criminalizar a homofobia. Embora o Ministro Dias Toffoli tenha sorrateiramente tirado o julgamento da pauta antes do seu término (algo inusual mesmo para os padrões heterodoxos do Supremo), o jogo a esta altura já está jogado: com quatro votos a favor, a homofobia deverá ser equiparada ao racismo para fins de tipificação penal.
Nada contra os homossexuais, que fique bem claro. Muito menos a favor da homofobia, uma infame prática que vitima pessoas dos mais variados gêneros LGBT e que, infelizmente, não tem merecido o tratamento adequado do Congresso Nacional. A solução para essa tragédia, contudo, não passa – ou não deveria passar – pela ação do STF.
Como se sabe, desde Montesquieu o Estado dividiu suas funções em três, para melhor alcançar seus objetivos: Executivo, Legislativo e Judiciário. Um pouco mais tarde, a doutrina norte-americana aperfeiçoou a teoria criando o sistema dos checks and balances, através do qual os poderes conteriam uns aos outros, de modo a que não surgisse um “poder superpesado”, que sobrepujasse os demais. Nesse esquema de repartição, o Congresso legisla; o Executivo governa; e o Judiciário julga. Simples assim. Aqui, no entanto, a coisa parece ter tomado outro caminho.
Desde que Executivo e Legislativo caíram em desgraça com o povo e, depois, com a Justiça, os ministros do Supremo resolveram tomar para si a tarefa de ditar os rumos da Nação. Não se pode precisar exatamente quando isso começou, até porque movimentos assim não acontecem do dia pra noite, mas por volta da virada do milênio o prédio defronte ao Planalto tomou vida própria.
Pouco a pouco, ele foi estendendo o cercadinho dos limites que lhe foram impostos pelo constituinte de 1988. Uma pulada na jurisprudência ali, uma estocada na Constituição acolá, e de repente os ministros começaram a tomar gosto pela coisa. Se ninguém reclamava quando o Supremo ocupava o lugar dos poderes democraticamente legitimados, por que parar? Foi assim no caso dos fetos anencefálicos. Foi assim no caso da união homoafetiva. E está sendo assim no caso da criminalização da homofobia.
Do ponto de vista dogmático, a decisão não tem pé nem cabeça. Deixemos de lado, por ora, o fato incontroverso de que não compete ao Supremo legislar. Em que bases se pode equiparar a homofobia ao crime de racismo? A Lei nº. 7.716/89, que o define, fala na punição de “crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Quem discrimina em razão do gênero está praticando preconceito de raça? Está cometendo preconceito de cor? Está condenando previamente a etnia, a religião ou a origem de alguém? É evidente que não.
Na verdade, o que o STF está fazendo, mal e porcamente, é produzir uma analogia entre a mens legis que inspirou a tipificação penal do racismo para daí extrair um novo tipo penal: o crime de homofobia. Qual o problema? Como qualquer segundanista de Direito sabe, analogia em Direito Penal só se admite em favor do réu. Contra o réu, ou in malam partem como dizem os eruditos, é algo inteiramente abominável, pois a condenação criminal depende expressamente de um tipo legal anterior que o defina.
De certo modo, o que está a ocorrer agora é até mais grave do que o reconhecimento da união homoafetiva. Embora neste caso o atentado tenha sido contra o próprio texto da Constituição – que fala apenas na união estável “entre o homem e a mulher” -, aqui a violação vulnera o direito mais fundamental que existe depois do direito à vida: o direito à liberdade.
É verdade que o Supremo tem a prerrogativa de errar por último, como gostava de repetir ironicamente Rui Barbosa. Mas os ministros têm abusado da sorte. Se antes as decisões, por mais esdrúxulas que fossem, eram tomadas para gáudio da platéia, com palmas efusivas da mídia idiotizante, agora o cenário parece muito mais arriscado para uma corte “ativista”. Numa dessas, o Senado resolve tirar da gaveta algum das dezenas de pedido de impeachment propostos contra ministros do STF.
E aí, quando isso acontecer, quem irá defendê-los?