Parece até que tava escrito.
Se até o final de julho tudo parecia ir às mil maravilhas – bolsa subindo, dólar caindo, dinheiro entrando a rodo no Brasil -, de repente o tal do “mercado” entrou em processo de espiral psicótica e desandou por completo a maionese. A bolsa despencou, o dólar já passou a barreira dos R$ 4,00 e quem tinha dinheiro no cassino já levou suas fichas pra casa. No meio de tudo isso, o cidadão comum, atarantado, fica a se perguntar: por que o caos de uma hora pra outra?
Na verdade, o roteiro do pandemônio atual é uma reprise nada original de um filme ao qual a maioria de nós já deve ter assistido pelo menos um par de vezes. Toda vez que o povo – esse elemento indesejado – se aproxima do exercício do sacrossanto direito de sufrágio, o “mercado” entra em parafuso. Tudo porque, dizem os “analistas”, as pesquisas eleitorais indicam a ascensão de candidatos que não rezam segundo a cartilha da Brigadeiro Faria Lima.
Até aí, tudo bem. Que o pessoal do dinheiro grosso tenha suas preferências eleitorais, é natural e até saudável que assim seja. Da mesma forma que alguém pode escolher seu candidato com um olho no país e o outro na manutenção de alguma boquinha que possa perder (como uma bolsa qualquer a qual não faria mais jus), também o pessoal do mercado financeiro pode votar esperando que o próximo inquilino do Planalto seja alguém que vai manter intocados os vícios da jogatina.
No piripaque atual, o “mercado” estaria estressado porque se desenha um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Os preferidos dessa gente, Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin, continuam patinando nas sondagens e dificilmente engatarão uma segunda marcha que os leve à rodada decisiva nas eleições presidenciais. Como Jair Bolsonaro representa o maior anti-cabo eleitoral da atualidade (quem concorrer contra ele no segundo turno ganha), o pessoal da jogatina receia que um candidato do PT leve pela quinta vez o Planalto.
Mas esse receio tem razão de ser?
Olhando-se em retrospecto, a resposta é um rotundo não.
Em 2002, quando saía o desastroso governo Fernando Henrique e se prenunciava a eleição de Lula, o país quase foi à bancarrota. Sem reservas, o Banco Central de Armínio Fraga passou a emitir swaps cambiais numa quantidade colossal. Quando o dólar foi a R$ 4,00, a dívida interna explodiu. No final das contas, nada impediu que o país recorresse mais uma vez ao FMI para fechar suas contas externas.
Veio o Lula e fez o quê?
Depois da Carta aos Brasileiros, Lula começou a rezar direitinho o credo dos mercados. Tirou de Henrique Meirelles um mandato de deputado federal por Goiás e o levou ao Banco Central. Palocci ficou responsável pela Fazenda e por administrar doses diárias de calmante aos investidores. Os juros subiram, o então amaldiçoado superávit primário foi elevado de 3,5% para 4,25% do PIB e, com o tempo, tudo voltou ao normal.
Em oito anos de governo Lula, nunca os bancos ganharam tanto dinheiro. Nem eles, nem o pessoal que investia na Bolsa, que saltou de mais ou menos 15 mil pontos para o pico de 73 mil em 2008, antes da crise do subprime. Tudo isso e mais gente que cansou de ganhar dinheiro sem empurrar um prego numa barra de sabão com os juros lunares de Meirelles e Cia. no BC. Em pouco mais de seis anos, o Brasil evoluiu da condição de país quebrado para um com selo de investment grade das agências de classificação de risco.
E daí?
Daí que o “receio” do pessoal do “mercado” não tem a menor razão de ser. Ou, por outro lado, até tem. Só que não é o que a maioria das pessoas pensa. Enquanto boa parte da população acredita piamente em algum pânico irracional movido por um sentimento real de que o país vá ao buraco, na verdade o que há é especulação da grossa querendo depreciar os ativos para poder faturar com a baixa e, na virada do ano, operar uma “reversão de tendência” que os faça comprar com o dinheiro ganho na queda as mesmas ações que venderam por metade do preço. Ganha-se, portanto, nas duas pontas: apostando no caos e, depois, recomprando a esperança perdida com o afastamento dele.
Portanto, não se deixe enganar. Quando alguém vier falar em “irracionalidade” do mercado, desconfie. No fundo, estão apenas pensando em algum modo de ganhar uma graninha mais fácil com a (in)credulidade alheia.