Chantageando o presidente

Já faz muito tempo, mas sempre é bom recordar.

Vivia-se o auge da Guerra Fria. Estados Unidos, de um lado, e União Soviética, do outro, disputavam a hegemonia do globo. Embora o argumento usado fosse o mesmo – o arsenal atômico das duas superpotências -, tratavam-se de duas visões de mundo inteiramente diferentes. Enquanto um lado pregava o capitalismo (mais ou menos selvagem, a gosto do freguês), o outro pregava o socialismo (mais ou menos radical, conforme o interesse da clientela.

No meio dessa briga de cachorro grande, a maior parte do mundo preferia ficar do lado de fora, só assistindo. Uns, por conveniência. Outros, por medo, mesmo. Mas o fato é que, quando existem dois pólos antagônicos agindo em movimento de repulsa de maneira tão forte, não se consegue ficar indiferente por muito tempo. Mais hora, menos hora, o sujeito é chamado por um dos dois para escolher o seu lado.

Seja através do dinheiro, seja através da força das armas, Estados Unidos e União Soviética iam somando nações às suas esferas de influência, tanto para tornar a própria aliança mais forte como também, pela via indireta, para asfixiar o lado oposto com a falta de amigos. Às claras, a diplomacia internacional ia fazendo o seu papel, com coisas como Otan ou Pacto de Varsóvia. No submundo da espionagem, contudo, o jogo que rolava era bem outro. Bruto, sorrateiro até.

Numa dessas investidas, a União Soviética tentou trazer para o seu lado um famoso ditador do Sudoeste Asiático. Conhecido pelas presepadas que aprontava, o ditador se bandeara para o lado norte-americano logo depois de assumir o poder. Naquela época, ninguém no Ocidente se importava com a folha corrida de ninguém, desde que fosse anti-comunista. Mas a KGB tinha um plano para virar o jogo.

Sabendo do fraco do velho ditador por um rabo-de-saia, o pessoal do serviço secreto soviético reuniu uma seleção de belos exemplares da espécie – da variedade feminina, por óbvio – e colocou-a no quarto ao lado do hotel onde o velho ditador se hospedara. À noite, quando pediu o jantar pelo serviço de quarto, a refeição veio acompanhada das acompanhantes soviéticas.

Foi uma longa noite, como se pode imaginar. E, a despeito de sua avançada idade, o velho ditador até que deu bem conta do recado. O que ele não sabia era que seu quarto estava tomado por paredes falsas, cheias de furos, através das quais os agentes da KGB tiraram dezenas de fotos do ditador nas poses mais comprometedoras possíveis. Estava armada a chantagem.

No dia seguinte, já curado da ressaca, o nobre visitante tinha um encontro de cúpula agendado com o líder soviético. Uma hora antes da reunião, o ditador e seus assessores foram levados para uma ante-sala. Lá, agentes da KGB, trajando os indefectíveis paletós pretos e escondidos atrás de cenográficos óculos escuros, apresentaram a coletânea  de fotos ao ditador.

“Nós queremos que o senhor rompa com os Estados Unidos e passe a apoiar a nossa política para o Sudoeste Asiático”, disse o chefe dos espiões, enquanto espalhava as fotos por cima da mesa.

“Vocês têm cópias dessas fotos?”, perguntou o velho ditador, sem esboçar qualquer reação.

“Claro que temos”, respondeu o sujeito da KGB, em um timbre a um só tempo confiante e ameaçador.

“Posso ficar com essas, então? Lá no meu país isso vai contar muito a meu favor. Meu povo ficará muito orgulhoso da performance do seu líder”, respondeu todo pimpão o Ditador.

E foi assim que a União desistiu de usar o sexo para comprar aliados.

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