A matemática da Previdência

Eu sei, eu sei. A Reforma da Previdência já foi objeto de pelo menos uma dezena de posts no Blog. Seja no aspecto político, seja no aspecto jurídico, a questão previdenciária foi abordada aqui mais vezes do que as falhas do goleiro Muralha do Flamengo. Por que voltar ao assunto, então? Porque, do ponto vista prático, jamais a Reforma da Previdência foi analisada neste espaço sob a ótica econômica.

A maior parte das pessoas ignora, mas cada vez mais gente tem noção de que a contribuição que você paga para a Previdência não se destina a você mesmo no futuro, mas para quem está aposentado hoje, no presente. Trabalha-se no chamado regime de solidariedade, através do qual toda a sociedade – incluindo aí o Governo – é chamada a arcar com o ônus de manter quem passou a vida inteira na labuta e goza o merecido descanso.

Mas imaginemos o caso contrário. Imaginemos, por exemplo, que o Brasil adotasse o regime de capitalização. Nesse sistema, tal qual a Previdência Privada, o sujeito paga todo mês uma contribuição que reverte para um fundo próprio, do qual ele tirará o seu sustento na aposentadoria. Quanto dinheiro seria necessário para que o sujeito recebesse o teto do INSS, por exemplo?

Sabendo-se que o teto do setor privado gira em torno dos R$ 5.000,00, resta saber quanto dinheiro o cidadão precisaria juntar para ter garantida uma renda vitalícia desse valor. Para chegar a esse montante, basta pegar o valor pretendido (R$ 5.000,00, no caso) e dividir pela taxa de juros real praticada no país (já descontada a inflação). Por que a taxa de juros real?

Simples. Se você considerar somente a taxa de juros nominal, incluindo a inflação, o valor real do seu benefício vai cair ao longo do tempo. Para manter o mesmo padrão de vida, ou seja, a mesma renda mensal, você inevitavelmente precisaria entrar no principal. Em pouco tempo, sua reserva financeira seria toda comida pelas retiradas mensais. Uma vez que ninguém sabe quantos anos vai viver depois de se aposentar, o mais seguro, por óbvio, é trabalhar somente com a taxa de juros real.

Considerando-se uma taxa de juros mensal real de 0,5%, seria necessário guardar a bagatela de R$ 1.250.000,00 para garantir a aposentadoria para o resto da vida. Tendo-se esse valor em mãos, vamos a outra conta: como juntar mais de um milhão de reais.

Aí o cálculo complica mais um pouco, porque você tem que considerar tanto a inflação quanto a taxa de juros média do período, pois a poupança que você fizer mensalmente vai render juros. Além disso, há também a questão do Imposto de Renda, porque ninguém é louco de fazer um fundo próprio de previdência aplicando na Poupança, que é isenta de IR.

Para facilitar as coisas, e desconsiderando os arredondamentos grosseiros, vamos considerar uma taxa de juros de 10% a.a e uma inflação estável em 5% a.a. Quanto ao IR, fechemos a alíquota de 15%, aplicável à maioria das aplicações de renda fixa de longo prazo. Em um período de 35 anos (o tempo requerido para a aposentadoria), o cidadão teria que guardar para proveito futuro a quantia de R$ 2.100,00.

E daí?

Daí que, se fôssemos considerar a contribuição ao INSS como uma poupança para si mesmo no futuro, jamais conseguiríamos chegar nesse valor. 11% sobre R$ 5.000,00 (o teto do INSS) somam apenas R$ 550,00. Entre R$ 550,00 e R$ 2.100,00 há R$ 1.600 reais de distância. Mesmo que se considerasse nesse cálculo a cota patronal (20% sobre o salário bruto), obteríamos apenas mais R$ 1.000,00, os quais, somados aos seus R$ 550,00, deixariam você ainda a R$ 550,00 de uma renda mensal garantida de R$ 5.000,00 na aposentadoria.

A questão matemática da Reforma da Previdência, portanto, é muito simples: sem uma terceira parte a contribuir (no caso, o Governo) a conta das aposentadorias não fecha. Quando o Governo fala em “reforma”, no fundo o que se pretende é sempre diminuir a quantidade de dinheiro que a União é obrigada a destinar à Previdência Social. Mas, sem a grana dos outros impostos, não há como pensar em um regime de aposentadorias sustentável no futuro.

Para além disso, deve-se atentar que os exemplos acima mencionados cuidam de um cenário ideal, no qual não há aposentados e todos começam a trabalhar hoje para se aposentar daqui a 35 anos. No mundo real, restaria saber o que fazer com os milhões aposentados que temos hoje. Salvo a remota hipótese de passar pela cabeça de alguém a alternativa de deixá-los todos ao léu, não há alternativa senão aceitar que a União continue enterrando parte do seu orçamento para manter, com um mínimo de dignidade, quem já trabalhou pela vida toda.

Pode-se, claro, sempre pensar em melhorias de gestão e fechar o ralo da roubalheira nas fraudes previdenciárias. No entanto, nem que tudo mais fosse perfeito seria possível tirar o Governo da equação. O problema não é sequer político. É puramente matemático.

Ou a sociedade se dá conta de que as várias reformas da Previdência são outro nome para calote do Governo, ou daqui a poucos anos estaremos aprovando uma em que o lema será cada um por si e Deus por todos.

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