Era só o que me faltava. O mundo à beira de uma guerra nuclear, o Brasil numa crise política e econômica sem precedentes e a grande discussão do momento nas redes sociais é se o Nazismo deve ser considerado de direita ou de esquerda. Poucas coisas são tão ignorantes quanto ao passado, inúteis quanto ao presente e arriscadas quanto ao futuro.
A discussão sobre o enquadramento do fenômeno nazista dentro do espectro político tradicional envolve ignorância quanto ao passado porque não há viv’alma que tenha estudado História a defender que o Nazismo possa ser enquadrado naquilo que a doutrina política costuma chamar de “esquerda”. A lembrança ao “socialismo” dos Nacionais Socialistas só reforça a pobreza da argumentação. Não custa lembrar que um dos principais pontos de inflexão do regime nazista foi o incêndio do Reichstag, perpetrado por partidários de Hitler e atribuído – bingo! – aos comunistas.
Quem defende o enquadramento do Nazismo na esquerda pratica um exercício de frivolidade quanto ao presente porque, passados mais de 80 anos da ascensão de Hitler ao poder, não faz qualquer sentido discutir se o que veio depois era um governo “de direita” ou “de esquerda”. Sabe-se que os fascistas alemães conduziram um regime de ignomínia, que perseguiu minorias e ceifou milhões de vidas. De que adianta empurrar para o outro lado o “troféu” do Nazismo, se nada disso vai apagar o horror que ele causou?
A disputa sobre a herança “esquerdista” ou “direitista” dos nazistas traduz riscos quanto ao futuro porque, quando se passa a discutir o enquadramento ideológico do fenômeno, perde-se o principal quanto à questão: a hediondez do regime. Hitler e seus asseclas promoveram algumas das piores páginas da história da humanidade, e se há uma lição a se tirar disso tudo é que algo do gênero jamais deveria se repetir.
A rigor, a discussão sobre o enquadramento ideológico do regime nacional-socialista só evidencia o tamanho da miséria intelectual que o Brasil vive. Pretende-se – embora ninguém na discussão reconheça – atribuir a um dos lados a “responsabilidade” pelo Nazismo, o que, implicitamente, significaria dizer que quem está “na esquerda” ou “na direita” também seria nazista.
Embromação reles. Nem quem milita na esquerda brasileira pode ser considerado nazista, nem muito menos quem está no campo político oposto merece tal enquadramento. A despeito dos malucos que pedem “intervenção militar já!” e outras baboseiras do gênero, não há naquilo que a mídia identifica como “direita brasileira” nada que se compare ao nazismo. Mesmo o autoritarismo presente naqueles que defendem Jair Bolsonaro presidente não tem como ser enquadrado no horror nazista. Autoritário é autoritário. Nazista é nazista.
Na verdade, esse embate estéril sobre o “esquerdismo” do regime nazista acaba desviando a atenção de outra discussão que poderia eventualmente ser interessante: até que ponto regimes totalitários podem ser enquadrados no espectro político tradicional?
Hitler e Stalin conduziram regimes fundamentalmente anti-esquerdistas e anti-liberais, respectivamente. Ambos extinguiram a democracia, intervieram em toda a cadeia produtiva e praticaram as piores atrocidades contra seus povos (e tantos outros). Com tantas similitudes, como classificar um regime como “de direita” e o outro, como “de esquerda”? Ou, mais precisamente, de que adianta tentar diferenciar ditaduras sinistras se, no final das contas, o resultado será o mesmo: um regime totalitário?
No fundo, no fundo, as tentativas de enquadrar o Nazismo na esquerda só servem para o diversionismo político. Empobrece-se o debate e emburrece-se a discussão. Para os “analistas de Facebook” – com seus indefectíveis textões – e “os colunistas de final de semana” – que sabem rigorosamente tudo sobre absolutamente nada -, recomenda-se um pouco mais de leitura e estudo antes de ingressar numa seara tão pantanosa.
A História, penhorada, agradece.