Se há uma coisa que a história ensina é que nada está tão ruim que não possa piorar. Tal é a constatação de quem observa o cenário econômico brasileiro nos dias de hoje. Como se chegou até aqui, todo mundo já está careca de saber. Erros de concepção da equipe econômica e o voluntarismo de Dilma Roussef conseguiram a suprema façanha de fazer com que o Brasil regredisse pelo menos 30 anos no tempo, lançando o país em um processo de estagflação só comparável ao inominável governo de José Sarney. Resta, agora, saber o que devemos fazer para sair dessa.
Todo mundo está mais ou menos de acordo que a questão brasileira possui fundo fiscal: gasta-se mais do que se arrecada. O déficit orçamentário não chega a ser um problema em si. Afinal, há países com déficits muito superiores ao do Brasil (como os Estados Unidos, por exemplo) e ninguém lá está morrendo por causa disso. Na verdade, a questão principal diz respeito à consequência do problema fiscal brasileiro: o aumento explosivo da dívida pública em relação ao PIB.
O tema não é novo por estas bandas. Em pelo menos uma oportunidade já foi objeto de um post aqui. A questão, contudo, é que o timing e as circunstâncias atuais transformaram um problema que já era grande numa síndrome quase paralisante da economia. Mas por que isso aconteceu?
Presumamos, por exemplo, que a dívida pública brasileira dos anos Lula estivesse em 50% do PIB. Com uma taxa de juros de, digamos, 10% ao ano, o custo da dívida para o Governo será de 5% do PIB (10% de 50%). Para estabilizar a trajetória da dívida em relação ao PIB, só há duas alternativas: economizar – ou seja, produzir superávit primário – ou crescer. Assim, se o PIB não crescer nada, o Brasil teria de produzir um superávit primário equivalente a 5% do PIB. Na outra banda, se não economizar nada, mas a economia crescer 5%, o aumento do PIB anulará o custo da dívida.
No Governo Lula, aconteceram as duas coisas: o Governo produziu sistematicamente superávits primários robustos e a economia cresceu como há muito tempo não se via. Resultado: a relação dívida/PIB, que alcançara vergonhosos 80% no final da Era Fernando Henrique, caiu para pouco mais de 50% no final da Era Lula. Não por acaso – na verdade, exatamente por causa disso -, o país pôde crescer de maneira sustentada por longo período, com inflação devidamente domesticada.
No Governo Dilma, no entanto, a maionese desandou. Uma vez que a presidente classificasse como “rudimentar” a idéia de produzir superávits primários para estabilizar o a relação dívida/PIB, o resultado foi um aumento exponencial da dívida pública. Isso, associado ao voluntarismo da presidente, corroeu a confiança dos investidores na manutenção dos fundamentos macroeconômicos e mergulhou o país na recessão em que se encontra.
Agora, o ajuste ficou muito mais difícil e penoso. Como o corte de investimentos estatais fulmina a última perna da economia que ainda estava a caminhar – o lado privado já estava completamente paralisado – o resultado é um aumento maior da recessão. Pior. Com o aumento da recessão, cai a receita do Governo, aumentando a necessidade de recorrer ao aumento da dívida para fechar as contas. E aí, claro, os juros explodem.
Além de complicar o cenário arrecadatório, a queda do PIB por si mesma representa um desastre para as contas públicas. Imagine, por exemplo, uma relação dívida/PIB de 50%. Imagine, agora, uma recessão de 10%. Se o Governo ficar no zero a zero, isto é, se não produzir nem déficit nem superávit (já incluindo a conta com os juros), isso resultará em um aumento da relação dívida/PIB para 55,5%. Ou seja: mesmo fazendo a lição de casa, a situação piora.
No cenário atual, tem-se uma relação dívida/PIB próxima a 60%, com juros de quase 15% a.a., associados a uma recessão de níveis colloridos da ordem de 3% e a um déficit orçamentário projetado de 1% do PIB. Operando-se um cálculo rápido (e descontando-se os grosseiros arredondamentos), vemos que o custo da dívida é de 9% (15% de 60%). Juntando-se ao gasto com juros o déficit primário, temos um saldo negativo de impressionantes 10% do PIB. Some-se a isso uma queda de 3% do PIB e teremos, no cômputo geral, um aumento da relação dívida/PIB de inacreditáveis 12%. Isso, ressalte-se, em um único ano.
Ao olhar para isso, o Mercado e os agentes econômicos ficam a se perguntar: onde é que vamos parar? Se a dívida pública brasileira mantiver esse patamar de descontrole, chegaremos ao final do Governo Dilma devendo 100% de tudo o que produzimos anualmente. É por essas e outras que o dólar passou batido pela casa dos R$ 4,00 e, daqui a pouco, começará a se insinuar para os R$ 5,00. Enquanto isso, a taxa Selic – último bastião de garantia do valor da moeda nacional – experimenta crescimento absurdo no mercado paralelo, a ponto de haver hoje títulos negociados a mais de 16% a.a., quase dois pontos percentuais a mais que a taxa fixada pelo Banco Central.
A verdade é que, depois de tantas lambanças governamentais, acabamos condenados ao paradoxo expresso no verbete popular: se cortar, a recessão pega; se gastar, a inflação come.
Tempos sombrios nos aguardam pela frente.
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