O Brasil no atoleiro, ou Teremos uma nova década perdida?

A década de 80 foi um período extremamente curioso para o Brasil. De um lado, saímos de um longo período de exceção e começamos, ainda que mal e porcamente, a transição para um sistema democrático. No final daquela década, após quase 30 anos, o país voltava às urnas para eleger novamente o presidente da República. Do outro, tivemos que começar a lidar com o acúmulo de erros dos governos militares, que nos levaram à bancarrota em 84, à moratória em 87 e à hiperinflação a partir de 88. O “Milagre” da década precedente transformara-se em vinagre. E o crescimento raquítico dos anos 80 daria ao período o epíteto que marcaria toda uma geração: “década perdida”.

Em grande parte, a alcunha atribuída à década de 80 é injusta. Noves fora o fato de que país ganhou uma nova constituição e as artes – especialmente a música – experimentaram um fecundo período de exuberância, no qual surgiram a maior parte das melhores bandas de rock nacional, mesmo na economia o desastre não foi dos piores. Claro que despencar de uma média chinesa de 7% ao ano na década de 70 para perto de 2,3% nos anos 80 é baque pra ninguém botar defeito. Mas nos anos 90, por exemplo, a média foi ainda pior, em torno de 1,7%. Mesmo assim, a ninguém ocorreu chamar os estranhos anos 90 de “década perdida”.

Na virada do século, no entanto, o Brasil pareceu encontrar o seu rumo. Da estagnação do milênio anterior, saltamos para um crescimento constante de quase 3,5%, o dobro dos anos 90, série interrompida apenas pela queda de 0,2% em 2009, ainda no rastro da quebra do Lehman Brothers. O auge desse período foi 2010, quando, quatro décadas após o “Milagre Econômico”, o Brasil voltou a ostentar níveis de tigre asiático: 7,5%.

Daí em diante, o que se viu foi uma débâcle sem paralelo na nossa história republicana. Após muito bons 3,9% em 2011, o PIB começou a minguar sem freio: 1,8% em 2012, 2,7% em 2013 e 0,1% em 2014. 2015 já foi pelo ralo, e a grande dúvida é se vamos cair mais ou menos de 2%. 2016 vai no mesmo caminho, com várias previsões já dando conta de um segundo ano de contração econômica, algo que não se via desde Campos Sales. Ainda que o Governo consiga a façanha de evitar uma nova recessão no ano que vem, ninguém aposta numa recuperação vertiginosa. Na melhor das hipóteses, ficaríamos no 0 a 0, com a eventual retomada adiada para 2017.

A se confirmar esse prognóstico, chegaríamos à metade da década com ridículos 1,3% de crescimento médio do PIB. Para que alcançássemos a média enjeitada da “década perdida”, teríamos de crescer a partir de 2017 algo em torno de 4% ao ano, coisa que não vê desde o primeiro mandato de Lula. É possível? Teoricamente, sim. Mas é muito, muito improvável.

Argumenta-se, principalmente pelo lado do Governo, que a maior culpa pelo crescimento pífio reside na fraqueza da economia mundial. O argumento, contudo, não se sustenta. Depois da quebradeira 2008-2009, o PIB global cresceu, em média, 3%. Isso representa mais que o dobro do PIB brasileiro no mesmo período. Se não dá para culpar os outros, só resta nos voltarmos para os verdadeiros responsáveis pelos nossos fracassos: nós mesmos.

Deixando-se de lado as agruras políticas atuais – que, de resto, são uma constante no Brasil desde que Cabral aqui aportou com suas caravelas -, o grande problema do país hoje é de natureza fiscal: gasta-se mais do que se arrecada. Com isso, a dívida pública tende a crescer. Considerando que ostentamos a maior taxa de juros real do planeta, dá pra entender por que as agências de risco rebaixam, uma após a outra, a nota de crédito do Brasil.

Diz-se, com alguma razão, que não faz sentido rebaixar a nota do país se outras nações exibem dívidas públicas ainda maiores do que as nossas. O Japão, por exemplo, que ostenta triplo A em todas as três grandes agências de classificação de risco, tem uma dívida pública equivalente a 200% do PIB, enquanto o Brasil mal passou dos 60%. A questão, todavia, passa pelo ritmo de crescimento da dívida. Enquanto no Japão os juros beiram 0%, aqui caminhamos para quase 15% a.a. O que importa, portanto, não é somente o montante da dívida, mas sua trajetória e velocidade de crescimento.

Para quebrar esse círculo vicioso, o ministro Joaquim Levy tentou a saída clássica liberal: cortar despesas. O problema é que isso tem um custo político nem um pouco desprezível. Que o diga a presidente Dilma Roussef, às voltas com um Congresso conflagrado e uma taxa de aprovação popular inferior à taxa anual de inflação. Resta saber, portanto, se Levy terá fôlego e respaldo para levar o ajuste adiante. Mesmo que o consiga, as medidas tomadas pelo Governo só começarão a mostrar seus efeitos já no terço final dos anos 2010, muito tarde para salvar o PIB médio desta década.

A verdade – é triste dizer – é que, passada a exuberância econômica dos anos Lula, o Brasil engatou uma marcha à ré difícil de ser revertida. Parafraseando Marx, estamos arriscados a reprisar a tragédia dos anos 80. E, assim como o 18 Brumário de Luís Bonaparte, vamos repeti-la novamente como farsa.

Triste sina deste pobre Brasil…

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2 Responses to O Brasil no atoleiro, ou Teremos uma nova década perdida?

  1. Avatar de tai777 tai777 disse:

    Concordo 100%. Nossa fechou o texto com 18 Brumário! Mt bom! Parabéns!

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