Refletindo ontem sobre o post que escrevi sobre a possibilidade de que existisse algo fundamentalmente errado com o Islã, que justificasse tamanhos e tão freqüentes atos de barbárie, fui convidado pela minha própria consciência a refletir sobre a inusitada situação da violência no continente americano.
Já foi escrito aqui por mais de uma vez que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Outrora uma nação pacata e cordial, o país foi literalmente assaltado por uma epidemia de violência difícil de explicar e mais complicada ainda de solucionar. Hoje, matam-se por ano no Brasil mais gente do que as que morreram em toda a Guerra do Vietnã.
De tão acostumados, nós passamos a não mais nos importar com isso. Um assassinato aqui, outro acolá, seja na esquina de casa ou no supermercado mais próximo, a morte de um semelhante desde há muito deixou de ser motivo de assombro para o cidadão. Provavelmente envolvido por uma conduta de autoengano, o brasileiro passou a desenvolver mecanismos para conviver com a violência e abstraí-la de seu cotidiano. É assim que surgem as seguranças privadas, o lazer restrito aos shoppings e os automóveis blindados.
A questão, contudo, é que tal exacerbação da violência não é exclusividade brasileira. Olhando-se ao redor, há países na vizinhança ainda piores do que o Brasil. Basta observar o caso venezuelano, que registra uma taxa anual de homicídios quase duas vezes superior à nossa (45 homicídios/100 mil habitantes).
E nem se venha a pensar que o problema está restrito à América do Sul. Na América Central, a situação é ainda pior. Além de contar com o país onde mais se mata no mundo – Honduras (91 homicídios/100 mil habitantes) -, a região ostenta o nada honroso posto de mais violenta do mundo, com um apanhado geral de 41 homicídios/100 mil habitantes.
Em sentido contrário, pode-se sempre argumentar que na América do Norte a situação não é tão escandalosa. Afinal, lá os índices de crimes violentos intencionais são bem melhores do que no restante do continente. Todavia, isso só acontece porque o pacato Canadá contribui para jogar a média pra baixo e os Estados Unidos gastam os tubos para manter o maior aparato policial e a maior população carcerária do planeta. Mesmo com tudo isso, os nossos irmãos do Norte ainda exibem pouco mais de 10 homicídios/100 mil habitantes, o suficiente para se enquadrarem no conceito de epidemia proposto pela ONU.
Curiosamente, à escalada da violência neste lado do mundo não corresponde semelhante aumento no restante do mundo ocidental. No continente europeu, cuja formação cultural é muito semelhante à nossa, os índices de violência são ridículos. Com terrorismo e tudo mais, a Europa não passa de 3,5 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. O Velho Continente ainda se dá o luxo de exibir países onde os assassinatos são virtualmente inexistentes, como a Noruega (0,6 por 100 mil habitantes) e a Islândia (0,3 por 100 mil habitantes).
No mundo oriental, a situação não é muito diferente. Pelo contrário: é até melhor. Na Ásia, o índice de homicídios é de 3 por 100 mil habitantes. Em Hong Kong e no Japão, por exemplo, a média em geral não passa de 0,5/100 mil habitantes, o que facilmente pode ser debitado na conta de crimes passionais – aos quais a humanidade inteira está sujeita – e um ou outro caso perdido de psicopatas, outra fatalidade da espécie humana. Ao contrário deste lado do planeta, os assassinatos são puramente episódicos e constituem uma taxa residual inerente ao gênero humano; não há uma indústria da morte, como há por estas bandas.
Como último recurso, é possível contrapor à epidemia americana os índices de violência presentes no continente africano. No cômputo geral, a África exibe níveis de homicídios superiores à media da América. Todavia, mesmo isso deve ser visto com grão de sal. Considerando que boa parte da África Central e Oriental permanece em constantes guerras civis, não é difícil entender porque os índices de violência são tão altos por lá. Onde os conflitos escasseiam, como na África Setentrional, a taxa de homicídios é apenas um terço da americana (5,9 por 100 mil habitantes).
Quando, ao analisar uma questão, um sujeito recorre a abstrações do tipo “é preciso entender as causas maiores relacionadas ao problema”, normalmente é sinal de que vem empulhação pela frente. Neste caso, contudo, a generalização se justifica. É impossível que um só fator explique tamanha desconexão entre o padrão de violência existente nas Américas e o vigente no restante do planeta.
E a grande questão que fica é: o que há de errado com o continente americano?
Realmente desperta a curiosidade saber as razões do continente americano ser de longe o mais violento. Arrisco dizer que a impunidade e as drogas estão entre os principais motivos desses índices calamitosos do Brasil.
Todavia, a curiosidade me fez lembrar mesmo foi de um pobre e pequenino país, perseguido pela grande potência. Fui então a cata de dados sobre o mencionado índice na pequena ilha. E não é que em Cuba esse número é de 4,2 homicídios por 100 mil habitantes.
Calma, não precisam os meus amigos da direita se preocuparem e nem começarem a me xingar, pois isso nada tem a ver com o regime, haja vista que o Chile, representante maior da politica neoliberal na América Latina, tem índice ainda menor, 3,1 homicídios.
Os dados fazem do Estudo Global sobre homicídios 2013, realizado pelo Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes, que aponta ainda a Argentina com 5,2 homicídios por 100 mil habitantes e o Uruguai com 7,9 homicídios, outros exemplos dignos de registro diante dos desastrosos dados do continente americano.
Quantos as causas do que acontece com a América, seria tema digno do amigo elaborar novo texto dando continuidade ao presente artigo.
Um grande abraço.
De fato, há honrosas exceções na América do Sul, meu caro. Mesmo assim, mesmo você não haverá de negar que, no seu conjunto, o continente sul-americano constitui um dos mais violentos do mundo. E, nesse caso, a violência não escolhe espectro partidário, como você bem apontou. Um abraço.