Pequeno glossário das eleições

Se há uma coisa constante em todo período eleitoral é o exercício descarado do cinismo pelos candidatos. Esteja de que lado estiver, o sujeito se contorce todo na busca desesperada por votos. E, na maioria dos casos, a maior vítima desse contorcionismo eleitoral é a nossa pobre língua de Camões.

Para ajudar você, meu caro leitor, a guiar-se no meio desse emaranhado verborrágico que atenta contra o vernáculo, preparei um pequeno glossário. Com alguma sorte, ele será útil para que você possa identificar a desfaçatez e as contradições nos discursos dos candidatos. Como a ladainha é apartidária, ou, mais especificamente, todos os candidatos a praticam, o aplicativo traz consigo a vantagem de ser “total flex”: roda em qualquer partido. Vamos a ele:

Aliados“: a galera que apóia o candidato. Se estiver do lado adversário, são escroques que representam a fina flor do reacionarismo. Se estiver do meu lado, “apoio não se recusa”. No momento em que o aliado é descoberto em algum escândalo, viro a cara, finjo que não vejo e nomeio um indicado por ele pra sair bem na fita.

Articulação com os poderes“: ato de mendigar dinheiro para outra esfera da federação. Município pede do Estado, que pede da União, que pede pros outros dois não encherem o saco quando tiver votação importante no Congresso. Quando isso acontece, diz-se que há “relacionamento institucional”. Quando o caldo entorna, “fulano não adota critérios republicanos para governar”.

Governabilidade“: distribuição de cargos para evitar CPIs e garantir a aprovação de projetos do meu interesse no Congresso. Se for da situação, dá-se o nome de “amplo apoio partidário”. Se for da oposição, chama-se “cooptação”. De uma forma ou de outra, argumenta-se que, sem ela, o governo cai.

Não compactuarei com a corrupção“: só se ela for dos outros. Do meu partido, direi que “defendo apuração rigorosa dos fatos, para que inocentes não sejam punidos”, enquanto agirei nos bastidores para impedir qualquer investigação. Quando a coisa chegar muito perto de mim, direi que foi o meu governo o responsável pelas investigações, pra ver se tiro o meu da reta.

Priorizar os gastos“: cortes no orçamento. Se for do lado adversário, ganha o nome de “arrocho”. Se for do meu lado, ganha o nome de “ajuste”. Em qualquer dos casos, significa dizer que vou cortar um monte de coisa importante, sem dizer exatamente o quê.

Profissionalizar a gestão pública“: trocar os apaniguados do governo atual pelos meus apaniguados. Também é conhecido por “aparelhamento”. Em alguns casos, significa também que vou manter os carreiristas da Administração Pública que servem a qualquer governo, desde que mantenham as suas respectivas boquinhas.

Vou manter o que está funcionando e melhorar o que está com problemas“: se for da situação, significa “vou-deixar-tudo-como-está-pra-ver-como-é-que-fica”. Se for da oposição, significa “vou mudar o nome dos programas que já existem pra dizer que tudo começou no meu governo”.

Tenho uma história limpa“: tenho bons advogados e uma boa rede de articulação no Judiciário, que impediram que fosse condenado definitivamente por qualquer dos meus crimes. As acusações promovidas em ação judicial são apenas “fruto de perseguição política”.

Isso, claro, é apenas um pequeno apanhado da cantilena recitada diariamente na TV e no rádio. Para condensar todo o discurso vazio do período eleitoral seria necessário mais alguns posts. Mas, no fundo, no fundo, tudo pode ser resumido numa única frase:

“Vote em mim. Garanto que EU não vou me arrepender”.

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