O disco arranhado nas eleições, ou A armadilha do Bolsa-Família

Desde as eleições de 2006, a conversa é a mesma: metade dos tempos dos candidatos é desperdiçado falando do Bolsa-Família. A única coisa que varia é o discurso, a depender do lado que o sujeito defenda. Se é da oposição, diz que vai “manter e ampliar” o Bolsa-Família. Se é da situação, afirma que “eu sou a única garantia de que o Bolsa-Família não vai acabar”.

Maior programa de transferência de renda do Governo Federal, o Bolsa-Família é a reunião de uma miríade de programas sociais criados ao longo dos governos pós-ditadura. Tudo começou com um esboço rudimentar no Governo Sarney. Avançou quase nada no Governo Collor, saiu da pasmaceira no Governo Itamar e multiplicou-se no Governo Fernando Henrique. Naquele tempo, o “Bolsa” ostentava um nome mais prosaico: “Vale”. Era “vale-gás”, “vale-alimentação”, “vale-escola”, “vale-isso”, “vale-aquilo”.

Obviamente, a dispersão de programas tornava a tarefa de transferir renda para os mais pobres algo ineficiente. Gastava-se mais na burocracia necessária para manter cada programa individualmente do que o montante garantido aos mais necessitados. No final do Governo Fernando Henrique, contudo, algum administrador teve a brilhante idéia de reunir todos os “vales” em um só programa federal. Nascia, então, o embrião do programa.

Apesar de a lei unificadora dos programas sociais do Governo ter sido aprovado no encerrar das cortinas do período Fernando Henrique, foi no Governo Lula que a conjunção ganhou o sugestivo nome de “Bolsa-Família” e deu um salto exponencial em seus valores. Saiu-se de algo como R$ 2 bilhões em transferência de renda direta em 2002 para mais de R$ 20 bilhões atualmente. Com quase 14 milhões de famílias beneficiadas, o programa hoje é o carro chefe da política social do Governo.

É fato: o flagelo causado pela má distribuição de renda no país vitima milhares de pessoas Brasil afora. E a forma mais eficiente de impedir a morte pela fome e pela desnutrição é garantir o pão de cada dia na mesa dos mais pobres. Quanto a isso, todo mundo está de acordo.

O problema do Bolsa-Família está na armadilha político-social na qual ele se transformou. Assim como a ajuda enviada a desalojados pelas enchentes, o Bolsa-Família é uma solução pontual para uma emergência humanitária. Seu objetivo não é – ou não poderia ser – transformar-se em “política permanente” do Governo Federal. Quando isso acontece, tanto os beneficiários do programa como o Governo se tornam reféns dele. Os primeiros, por depender da transferência de renda para poder se alimentarem. O segundo, por depender da existência de gente precisando de transferência de renda para poder praticar política assistencialista.

Na verdade, o que todo pretendente ao cargo de presidente da República deveria fazer era assumir o compromisso de garantir que fará de tudo para que cada vez menos gente dependa do Bolsa-Família, até chegar o ponto em que as famílias ajudadas pelo programa tenham caráter apenas residual. Para tanto, é necessário educar o povo, desenvolver a economia e criar empregos, o que permitirá a todos que hoje recebem o benefício caminhar com as próprias pernas, sem depender do Governo.

Mas, no caminho que estamos, a tendência é que o Bolsa-Família e a miséria entrem em um processo de retroalimentação, de maneira que um garanta a perpetuidade do outro. Quando acordarmos para o problema, quantas gerações terão se passado de beneficiados do programa que terão deixado para seus filhos apenas o cartão do programa?

Esta entrada foi publicada em Política nacional e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

2 Responses to O disco arranhado nas eleições, ou A armadilha do Bolsa-Família

  1. Avatar de André André disse:

    Na realidade muito se fala do Bolsa Família, porém pouco se procura saber sobre o conteúdo e o propósito geral do programa, deixando à margem da discussão as condicionantes estipuladas pelo programa, cujos benefícios proporcionados às famílias vão além da mera transferência de renda. Infelizmente, a visão geral sobre o tema é muitas vezes propositadamente desvirtuada, quase sempre direcionada a dizer que a ação governamental tem mero cunho politico-eleitoral, embora no caso específico do texto do articulista não creio estar contaminado por esse aspecto conceitual.
    Quanto ao texto em si discordo em boa parte, mas isso daria uma discussão muito longa. Prefiro apenas a bem de dar uma maior precisão as informações dizer que no governo FHC os programas eram o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás e que está equivocada a informação que o governo FHC promoveu a unificação desses programas.O processo que iniciou a unificação aconteceu em 2003, sendo o Bolsa Família criado em 2004 pela Lei 10.836.
    Outro dado que nunca tinha ouvido falar é o que relaciona o governo Sarney ao tema, em todo caso não tenho certeza.

Deixar mensagem para arthurmaximus Cancelar resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.