Uma saída para a Síria

Eu já perdi as contas, mas acho que faz uns bons dois anos desde que a Síria entrou em Guerra Civil. Com uma oposição fragmentada e dispersa lutando contra as forças de Bashar Al-Assad, o país precipitou-se em uma espiral de violência da qual ninguém enxergava saída. Pelo menos, até agora.

Está marcada para o dia 22 deste mês, em Genebra, uma conferência da qual pode resultar a primeira chance à paz em anos naquele pedaço do Oriente Médio. Com Estados Unidos e Rússia à frente, vai-se negociar um cessar-fogo provisório. Nada ainda está certo e as chances de as coisas darem errado são, hoje, muito maiores do que as de dar certo. Mesmo assim, há razões para ser otimista.

De cara, a reunião revela uma nova forma americana de enxergar o problema. Desde que foi encurralado pelos russos com a proposta de entrega incondicional das armas químicas sírias, o Governo Obama parece ter se dado conta de que as coisas por lá não se resolverão à moda egípcia, tampouco à moda líbia. No primeiro caso, Hosni Mubarak mantinha-se no poder com a ajuda dos americanos. Logo, bastava eles moverem um dedo para que ele fosse defenestrado. No segundo, Kaddhafi sozinho estava, sozinho caiu. Não havia ninguém por trás para segurar-lhes as pontas. No caso da Síria, compradora maciça de armamentos e aliado estratégico da Rússia na região, uma incursão armada teria consequências geopolíticas muito mais graves.

Fora isso, com a fragilidade externa comendo-lhe pelas beiradas o apoio interno, a última coisa que Obama deseja é um novo Afeganistão. É melhor negociar com os russos algum tipo de acordo, ainda que passe pela manutenção de Assad no poder, do que se arriscar numa nova empreitada militar de resultados imprevisíveis.

Mas, de tudo isso, o mais importante talvez seja o aprendizado de Obama com as revoltas anteriores. Mesmo que a ficha tenha demorado a cair, os americanos parecem ter se dado conta de que as revoltas islâmicas no mundo árabe não trarão ao governo desses países aliados com os quais poderão negociar depois. Muito pelo contrário. Há vários indícios de que, em alguns deles, quem está por trás dos levantes é a Al-Qaeda. Sob essa ótica, devem estar pensando os americanos, Assad pode representar um mal menor.

Com isso, remove-se aquele que sempre foi o principal obstáculo a um processo de paz na Síria: a transição de poder. Os russos nunca abriram mão de manter Assad na presidência, enquanto os americanos nunca abriram mão de tirá-lo de lá. Com a nova perspectiva, talvez se chegue a um acordo no qual se garanta a Assad a manutenção do poder, desde que ele faça reformas cosméticas, do tipo instalar uma democracia pra inglês ver. Nada muito profundo, claro, mas que assegure a Obama sair de tudo isso sem um aspecto de derrotado, de maneira que ele possa vender ao seu público interno uma “vitória da política externa norte-americana”.

Evidentemente, nada disso vai acontecer se russos e americanos não conseguirem dobrar o Irã – que apóia Assad – e a Arábia Saudita – que apóia os rebeldes. No entanto, dado os recentes acordos entre os persas e as potências ocidentais, não chega a ser fantasioso imaginar que ambos possam trabalhar em conjunto com vistas a encontrar uma solução para a Síria.

De todo modo, o ano começa melhor do que terminou para a região mais conflituosa do planeta. Dedos cruzados para que a esperança se transforme em paz, enfim.

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