A semana começa com a notícia de que o Brasil ganhou mais um cardeal. Dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, será alçado ao cardinalato no próximo consistório da Igreja Católica, a se realizar no dia 22 de fevereiro próximo.
Como esperado, o grosso das notícias girou em torno da origem do Papa. Ao melhor estilo paroquial – com trocadilho, por favor – do jornal “Zero Hora”, toda a mídia celebrou em júbilo a nomeação de um cardeal brasileiro. À festa seguiram-se os comentários óbvios de sempre, de que agora D. Orani integra o Sacro Colégio Cardinalício e, por isso, tornou-se eleitor e potencial sucessor ao Trono de Pedro. Pouca gente da imprensa deu a atenção devida ao que efetivamente importa nessa notícia: as origens do conjunto dos novos príncipes da Igreja.
Conforme foi antecipado aqui, logo após a eleição do Papa, Francisco indicava uma reordenação da Igreja no mundo. Desde sempre, o catolicismo esteve envolto por um eurocentrismo quase incontornável. A começar pelo fato de que a Itália, por tradição e costume, ter um peso desproporcional no Vaticano em relação à quantidade de fiéis que professam a fé católica. Só para se ter uma idéia, a Itália, com pouco mais de 40 milhões de fiéis, ainda hoje possui 28 cardeais, enquanto o Brasil, com quase o triplo, não possui mais do que 5 com assento no colégio cardinalício.
Por isso mesmo, a eleição de um papa latino-americano revelou-se tão surpreendente, em um grupo no qual os europeus ainda detém larga maioria. Não custa lembrar que há mais de um milênio um não-europeu dava as caras como Vigário de Cristo, e, até a eleição de João Paulo II, foram quase cinco séculos com os italianos dando as cartas no Vaticano.
A melhor forma de reordenar a Igreja, como pretende Francisco, é trazê-la de volta aos continentes esquecidos do mundo católico – América Latina, África e Ásia. E não há maneira melhor de fazê-lo senão “terceirizando” a pregação papal a cardeais locais, responsáveis pela disseminação da mensagem do Evangelho.
Observando-se a distribuição geográfica dos novos purpurados, bem se vê qual é a intenção de Francisco. Dos 19 novos cardeais nomeados, apenas 5 são europeus e, desses 5, apenas 2 são italianos (os outros 2 são alemães e 1 é britânico). Todos os demais são dos continentes esquecidos, de países tão distintos como o Haiti ou Burkina Faso. No somatório geral, isso dá quase uma proporção de 1 cardeal europeu para 3 não-europeus.
Por enquanto, o efeito da nomeação dos novos cardeais será limitado. Afinal, pelo menos metade do Sacro Colégio Cardinalício ainda será de origem européia, 40% deles com origem na Bota. Com o tempo e novos consistórios, no entanto, a tendência é de diluição do poder europeu na Cúria Romana e de um peso cada vez maior dos prelados do “fim do mundo”.
Mais do que a mera distribuição de poder no ofidiário vaticano, isso pode representar uma mudança efetiva na mensagem pastoral da Igreja, com maior atenção aos pobres e desassistidos, e o fim da opulência à qual boa parte dos sacerdotes está acostumada. Com alguma sorte, isso também significará menor tolerância aos sacerdotes com desvios éticos, tanto àqueles que praticam a pedofilia como àqueles responsáveis por encobrir semelhantes casos.
Sem querer – ou querendo, mesmo -, Francisco fará, sozinho, a maior reforma da Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II.
Vida longa ao Papa.