Por conta do feriado da República, a última semana teve apenas quatro dias para este Blog. Assim, a última “ressurreição seccional”, isto é, a última espanada de pó em uma seção aparentemente abandonada ficou para esta semana. Falo-vos das Artes, a seção mais polivalente deste espaço.
E já que é assim, nada melhor do que manter o nível das outras postagens e presentear-vos com uma das mais magníficas pinturas já produzidas pelo homem: a Escola de Atenas, ou, como é popularmente conhecida, simplesmente Academia.

Ao contrário do que muita gente pensa, a Academia não é um quadro, mas um afresco. Trata-se de uma obra pictórica desenhada para conferir sentido transcendental ao tijolo e argamassa que compõem as partes internas do Palácio Apostólico. Composto por quatro aposentos, o conjunto conhecido como Stanze di Raffaello é, ao lado do teto da Capela Sistina, a mais bela obra de arte existente naquele enclave romano.
Rafael chegou a Roma por indicação de seu conterrâneo, Domenico Bramante, arquiteto da nova Basílica de São Pedro. Aparentemente, Júlio II queria apagar da história os traços da existência de Alexandre VI, um dos mais corruptos e devassos papas de todos os tempos. Por isso mesmo, mandou tirar das paredes as pinturas de evocação romana então existentes para nelas colocar outros motivos. Ao melhor estilo “Rei morto, Rei posto”, Júlio II encarregou Rafael da tarefa de dar novos ares àqueles aposentos marcados com o sinal do profano pelo seu predecessor no cargo.
A Escola de Atenas situa-se no aposento conhecido como Sala della Segnatura, assim denominado por ser anteriormente o local onde se situava o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, a mais alta corte de justiça vaticana, abaixo apenas do próprio papa. Rafael teve a idéia de transformar a sala em um monumento às virtudes cardinalícias, associando a sabedoria mundana à espiritual, no melhor espírito humanista daquela época. Não por acaso, há quem diga que as pinturas de Rafael são o marco inaugural da Alta Renascença na Itália.
No afresco, grandes figuras da filosofia e das ciências conversam e debatem. O intuito evidente do artista era de mostrar a evolução do pensamento humano através da razão. Exatamente por isso, no centro do afresco encontram-se Platão e Aristóteles, dois dos maiores pensadores da história.
Mas não é somente a filosofia que está representada nessa magnífica pintura. Da Astronomia à Geometria, da Aritmética à Geografia, quase todos os ramos do saber humano fazem-se presentes por meio de expoentes do pensamento. Há, por exemplo, Pitágoras, Parmênides, Ptolomeu e até mesmo Alexandre, o Grande. A razão não seria outra senão a de englobar todo o Conhecimento em uma única pintura.
De maneira a evidenciar o prodígio da mente humana, a pintura traz Platão apontando para o céu, enquanto segura o livro Timeo. Ao seu lado, Aristóteles ouve atentamente enquanto segura a Ética. À direita, Euclides ensina geometria, enquanto Zaratustra segura o Globo Celestial e Ptolomeu o Globo Terrestre. No centro, esparramado na escada, Diógenes expressa o seu próprio cinismo, enquanto lê provavelmente uma anedota.
Curiosamente, Rafael retratou algumas das personagens históricas com os traços de figuras de sua época. Platão, por exemplo, assume a forma de Leonardo da Vinci. Arquimedes ganha a feição de Domenico Bramante. E Heráclito ganha o perfil de Michelangelo. Há quem diga que o próprio Rafael fez-se participar de sua obra. Seria ele o rosto em perfil escondido por detrás da coluna à esquerda do afresco. Para outros, Rafael estaria representado pela figura de traços femininos à esquerda de Parmênides. Mas isso são somente suposições.
A pintura da Escola de Atenas consumiu dois anos de Rafael. Infelizmente, o artista não sobreviveu para ver terminada toda a sua obra nos aposentos papais. Depois de pintar o terceiro deles, Rafael morreu em 1520 sem deixar prontos os afrescos da Sala de Constantino. Não tem problema. Se tivesse pintado apenas a Escola de Atenas, já teria valido a pena.
Para quem quiser visitar, os afrescos das Salas de Rafael situam-se no Museu Vaticano. Embora à noite o movimento seja bem menor, o que favorece o seu conforto, é melhor visitá-las pela manhã, de preferência em um dia de céu claro. A iluminação ambiente não favorece e a artificial não consegue compensar inteiramente a escuridão do ambiente.
Mesmo assim, seja de dia ou de noite, não deixe de ir. Garanto que você não vai se arrepender.