Quando você pensa que os políticos aprenderam alguma coisa e deixaram de meter os pés pelas mãos, eis que o noticiário te traz de volta à realidade. Para entender melhor o que se passa, talvez seja melhor voltar um pouquinho no tempo.
À época da promulgação da Constituição de 1988, o país contava com pouco menos de 4.000 municípios. Para um país de tamanho continental como o Brasil, não chegava a ser propriamente um exagero. No entanto, pelo texto constitucional, a criação de municípios dependeria agora tão-somente de leis estaduais e de consultas à população residente nos distritos a serem emancipados. Ou seja: a criação de municípios ficaria a cargo de deputados estaduais – com interesses evidentes na manutenção de bases eleitorais – e da própria população local a ser beneficiada pela divisão, sem que o restante da população do município pudesse chiar.
Com a regra frouxa, o número de emancipações explodiu. De menos de 4.000 municípios em 1988, passamos a mais de 5.000 no começo do século XXI. Em pouco mais de uma década, um aumento impressionante de 25% no total de municipalidades.
Obviamente, ao aumento exponencial de municípios não correspondeu qualquer melhora no serviço público. Ao contrário. Com a criação das prefeituras, necessariamente houve a criação de vários cargos representativos do poder municipal – prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Isso sem falar, claro, na imensa lista de cargos públicos destinados a manter a nova estrutura criada.
A razão disso é evidente. Em sua imensa maioria, os novos municípios não foram criados para melhor atender aos anseios da população, mas para estabelecer feudos eleitorais dos políticos que apadrinharam as suas criações. Não por acaso, estudos comprovam que, do universo de cidades criadas desde a promulgação da Carta de 1988, mais de 80% não se sustentam com verbas próprias; dependem das transferências da União e dos Estados para se manterem.
Para dar um freio de arrumação nessa farra, a Constituição foi emendada em 1996. Agora, somente após a regulamentação por lei complementar federal seria possível leis estaduais aprovarem a emancipação de distritos. Ainda assim, vários municípios chegaram a ser criados. Como? Não me perguntem, pois não consigo alcançar explicação plausível para tamanho despautério.
Em que pese o descumprimento em alguns casos, a emenda constitucional de 1996 conseguiu estancar o processo de criação desenfreada de municípios. Depois da virada do milênio, o número total se estabilizou em torno de 5.500 municipalidades.
Ontem, no entanto, o Senado Federal aprovou a proposta de lei complementar que regulamenta o §4º do art. 18 da Constituição Federal. Só com a possibilidade de aprovação da lei, já se fala na criação imediata de quase 200 municípios, com o país se aproximando da estratosférica marca de 6.000 cidades.
Os defensores da medida, claro, dizem que “daqui pra frente, tudo será diferente”. Advoga-se que a nova lei estabelece “critérios rígidos” e não vai implicar aumento de custos.
Embromação reles. Assim como no caso da divisão do Pará, a criação de novos municípios não atende a interesses de ordem pública, mas a meros interesses eleitorais de políticos interessados em se perpetuar no cargo. Evidentemente, os padrinhos das novas municipalidades ganharão prefeitos e vereadores como cabos eleitorais de suas reeleições. Estes, por sua vez, ficarão com cargos em comissão e verbas para distribuir aos apaniguados e manterem uma rede de interesses que só depõe contra o interesse público. Enquanto isso, a população do distrito emancipado, supostamente a principal beneficiária da medida, continuará dependendo de caraminguás a cada quatro anos, quando se avizinhar o período eleitoral.
O Brasil não precisa de mais municípios. Precisa é que os atuais prefeitos façam o seu trabalho. Do contrário, a única coisa que haverá de bom nisso tudo será que a população terá de se deslocar menos para xingar os ocupantes das prefeituras.
Afinal, a sede do município ficará mais perto dela…