Uma coisa comumente difícil de compreender para quem não é da área do Direito – e até mesmo para quem é da área – é entender como e em quais circunstâncias o sujeito vai pra cadeia. Mais difícil ainda é entender por que em questão de dias – ou até mesmo de horas, a depender de você conseguir um habeas corpus pelo presidente do STF – o sujeito preso é logo solto pela mesma Justiça que mandou prendê-lo.
A primeira coisa a entender é que há basicamente dois tipos de prisão: aquela que se dá antes de o sujeito ser condenado em definitivo; e aquela que tem lugar depois de o sujeito ser condenado sem mais possibilidade de recurso. No primeiro caso, temos uma prisão naturalmente temporária, pois nem sequer há certeza de que o sujeito é efetivamente culpado. No segundo, já formada a culpa, a prisão tem caráter definitivo e constitui o que se costuma chamar de “execução da pena” à qual o meliante foi condenado.
As prisões que ocorrem antes do trânsito em julgado da decisão condenatória chamam-se processuais. Basicamente, existem três tipos: prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária. Há até outros casos, como a prisão decorrente de pronúncia, nos casos de processos de competência do júri, mas essas são as principais a se entender.
A primeira espécie todo mundo mais ou menos intui o que é: o sujeito é preso no ato de cometimento do crime ou imediatamente após cometê-lo. A segunda espécie tem natureza cautelar, isto é, prende-se o sujeito não porque ele é considerado culpado, mas porque, solto, o meliante representa um risco ao bom andamento do processo. A última espécie é uma prisão destinada a garantir o bom andamento do inquérito policial.
Explicadas essas três espécies, vamos à grande dúvida: como é que um sujeito preso ganha tão rapidamente o meio-fio?
Por incrível que pareça, a coisa mais simples de explicar é também a mais difícil de compreender. Enquanto o sujeito não for condenado definitivamente, não pode ser considerado culpado. Logo, em princípio, ele não pode ser levado à cadeia, salvo quando não puder mais recorrer da decisão.
No caso da prisão em flagrante, mesmo apanhado com a arma do crime e tendo sangue nas mãos, o juiz só o manterá na cadeia se estiver presente alguma das condições da prisão preventiva. Do contrário, é obrigado por lei a soltar a figura.
Em relação à prisão preventiva, trata-se de uma medida cautelar destinada a assegurar o bom andamento do processo. Exemplo clássico dessa medida é o réu que ameaça testemunhas. Como elas podem ser elemento fundamental para a formação da culpa, prende-se o cidadão até que elas sejam ouvidas em juízo. No entanto, uma vez afastado o risco, o juiz é obrigado a mandar soltar o cidadão.
No último caso, a prisão temporária tem lugar quando não há sequer processo judicial. Prende-se o sujeito ainda na fase do inquérito policial, sob o argumento de que a figura representa algum risco para a coleta de provas que instruirão a futura denúncia. Nesse caso, o futuro réu – lembre-se de que ele só ganha essa alcunha depois que a denúncia é recebida pelo Judiciário – só pode ficar preso 5 dias, prorrogáveis por mais 5. Por se tratar de uma prisão que ocorre sem que haja sequer procedimento judicial anterior, muita gente a critica e defende sua extinção.
Pois bem. Explicadas as prisões processuais, passemos à prisão penal.
A prisão penal representa a pena propriamente dita, isto é, a quantidade de tempo de restrição de liberdade a que o Estado condena o sujeito pelo cometimento de algum crime. Seu pressuposto é o trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, só condenados em definitivo cumprem prisão penal.
O regime de cumprimento normalmente é definido pela quantidade de pena atribuída: até 4 anos, regime aberto; de 4 a 8 anos, semi-aberto; acima de 8, fechado. No regime fechado, o sujeito fica numa penitenciária o tempo todo, sem direito a saída. No semi-aberto, o sujeito trabalha em uma colônia penal agrícola ou industrial, e dorme na cadeia. No aberto, o sujeito trabalha fora da prisão o dia inteiro, e se recolhe à noite em Casa de Albergado.
Tudo isso em tese. Na prática, a teoria é bem outra.
A imensa maioria das prisões construídas no Brasil destinam-se a abrigar presos do regime fechado. Mesmo assim, elas não dão conta de comportarem tanta gente e o mais comum é estarem superlotadas. Colônias penais praticamente existem em uma quantidade estatisticamente irrelevante, o que torna o regime semi-aberto uma quase-ficção. Já o aberto, sim, representa uma ficção completa, pois praticamente não existem no país Casas de Albergado.
“E daí?”, deve estar se perguntando você.
Daí que todo o sistema penal brasileiro é colocado em xeque quando a execução penal não condiz com o que está previsto em lei.
Não é segredo pra ninguém que, além da punição, um dos objetivos do cumprimento da pena é ressocializar o preso. Como ressocializar um sujeito se ele passa o dia inteiro numa sala tendo de passar por turnos de revezamento no chão para poder dormir? Como ressocializar o preso se ele deveria trabalhar e estudar na cadeia, mas nada disso é oferecido na prisão?
Pior que isso só os casos do semi-aberto e do aberto. Como não há colônias penais, o sujeito condenado ao semi-aberto diz que não pode ficar no fechado, porque estaria sendo submetido a regime mais gravoso do que a condenação (no que tem razão). Só que, levado ao aberto, tampouco há Casas de Albergado para o sujeito se recolher à noite e nos fins de semana. Em resumo, o sujeito vai pra Prisão Albergue Domiciliar, ou, na sua tradução mais simples, vai pra casa. Resultado? Gente condenada a quase oito anos de cana não chega a cumprir nem sequer um dia na cadeia. Vai direto pra casa como se nada tivesse acontecido.
É por essas e outras que há inúmeros estudos a dizer que o sistema penal brasileiro não funciona. No entanto, do ponto de vista científico, todos eles são inúteis. Como advertiu certa vez Gulherme Nucci, não há como avaliar um sistema que nunca foi implantado. Não se pode dizer que o sistema penal brasileiro é falho simplesmente porque ele nunca foi cumprido à risca. Como afirmar, então, que a execução penal no Brasil não serve se o modelo previsto em lei jamais foi levado a sério?
Por isso mesmo, antes de pensar em mudar a lei, legisladores, operadores do Direito e sociólogos deveriam lutar para que a execução penal brasileira fosse pelo menos implantada. Só isso já representaria um enorme avanço no combate ao crime.