Em certos dias, você acorda com a sensação de voltou no tempo. Não, você não ficou mais jovem. Mas, de certa forma, as notícias que se tornaram história voltam às manchetes como se o tempo não tivesse passado. Quem viveu no Brasil dos anos 80, por exemplo, só se lembra da palavra “congelamento” como uma vaga recordação de um tempo que – esperamos – não volta mais. Para quem nasceu já na década de 90, “congelamento” é apenas o processo físico pelo qual se resfriam os alimentos.
Agora, graças à Argentina, “congelamento” voltou a ser um termo econômico. Dizem que o sujeito inteligente aprende com os próprios erros. O gênio, por sua vez, aprende com os erros dos outros. Na Argentina, no entanto, um povo mais culto e bem mais politizado do que o brasileiro, alguma força incontrolável da natureza os move na direção contrária da sabedoria, pois não somente eles não aprendem com os erros dos outros, mas não aprendem sequer com os próprios erros.
Congelamento de preços é uma medida econômica heterodoxa – porque não reconhecida como instrumento clássico de política monetária – e ineficaz. A um só tempo, representa a confissão de incompetência do governo e o embuste à população que acredita que os preços se manterão estáveis apenas porque o governo assim o decretou.
Do ponto de vista teórico, inflação se combate ou pelo aperto monetário (aumento dos juros, aumento do compulsório, restrição ao crédito, etc.) ou pelo aumento da oferta (estímulo ao investimento, aumento das importações, diversificação de parceiros comerciais, etc.).
Com o aperto monetário, diminui a quantidade de dinheiro em circulação. Com menos dinheiro na praça, o custo do dinheiro (juro) sobe. Subindo o juro, menos gente toma dinheiro emprestado, mais gente decide ganhar dinheiro com o juro alto ao invés de gastar e, consequentemente, menos gente compra mercadorias. Com o desaquecimento da economia, as mercadorias começam a encalhar e os preços, por conta da lei da oferta e da procura, param de subir ou mesmo caem.
Obviamente, o melhor caminho é o aumento da oferta. Estimulando o investimento, a produção sobe, a quantidade de mercadorias também e os preços, pela mesma lei da oferta e da procura, caem. O problema é que nem sempre isso é possível. Serviços (cabeleleiro, manicure, pedreiro, etc.), por exemplo, não podem ser importados. Além disso, há um certo delay entre o aumento do investimento na produção e a consequente aumenta de oferta no mercado. Construir fábricas, aumentar linhas de montagem, contratar gente, tudo isso demora, e daqui que a expansão do parque fabril dê resultados, a inflação já foi pro espaço.
No caso da Argentina, o aperto monetário não pode ser aplicado por questões eleitorais. Afinal, nada mais impopular do que subir juros, principalmente para um governo que, à moda peronista, administra o país montado no mais escrachado populismo. Tampouco o aumento da oferta é uma solução plausível porque, sem qualquer segurança de que seu dinheiro ficará a salvo de algum rompante presidencial, nenhum investidor vai trazer dinheiro para a Argentina.
Restou, então, o congelamento.
O congelamento está fadado ao fracasso porque não há como controlar as forças econômicas por decreto. Assim como disse a personagem de Jeff Goldblum em Parque dos Dinossauros, “life finds a way“. Se a demanda continua em alta e a oferta não aumenta, das duas, uma: ou os comerciantes começarão a esconder a mercadoria e a cobrar “por fora” para vendê-la (o famoso ágio); ou simplesmente a mercadoria vai acabar, por conta do desabastecimento.
No mundo fictício do Governo, portanto, os preços ficam estáveis, pois os índices de inflação não a calculam levando em consideração o ágio, cobrado por fora. No mundo real, o cidadão fica entre a cruz e a espada: ou vai pagar a inflação através do aumento escondido por trás do ágio; ou, pior, vai ficar sem a mercadoria. Seja como for, o sujeito fica na mão, enquanto o Governo poderá trombetear que o sucesso de sua “política econômica”.
Já tendo experimentado diversos congelamentos em planos econômicos fracassados, hoje nenhum economista nacional seria levado a sério se propusesse semelhante despautério para combater a inflação. Tendo passado pelo mesmo purgatório no final da década de 80, os argentinos parecem não querer enxergar a realidade que se lhes apresenta diante dos olhos. Sob esse aspecto, pelo menos, nós levamos vantagem.
Menos mal.
O governo Menem experimentou de tudo, foi considerado pelo The Economist um modelo de economia, influenciou a políca de “sequestro” de dinheiro do governo Collor, promoveu abertura em larga escala da economia, desestatizou a economia, adotou plítica de câbio fixo e depois liberou o câmbio, para depois adotar a paridade de um por um entre o peso e o dólar e, finalmente, mergulhou a Argentina em uma das maiores crises de sua história, que levou à falência grande parte de sua classe média. É por isso que veiculo da mídia, no começo dos anos novente, afirmou que a economia argentina era estudada por muitos, mas ninguém conseguia entendê-la. E agora a presidente retorna com o velho e obsoleto peronismo, que teve, realmente, período de grandeza, porém em circunstâncias bem diferentes das de hoje.
O exemplo histórico é muito pertinente, Comandante. Felizmente (para nós), o exemplo peronista tem se mantido distante do ideário político dos partidos brasileiros, à direita e à esquerda. Tomara que continue assim. Um abraço.