Uma curiosidade que quase todo mundo tem é tentar saber como será o futuro daqueles que, hoje, ocupam a cena política. Quer dizer: como saber se Fulano vai se reeleger? Ou se Cicrano, um veterano perdedor de três eleições, vai ter sua chance no próximo sufrágio? Isso para não falar de Beltrano, proscrito da vida pública depois de rumoroso escândalo, que está mexendo os pauzinhos para voltar ao palco.
Muita gente lê os articulistas dos grandes jornais em busca de respostas para essas questões, como se eles fossem algum tipo de oráculo ou dispusessem daquelas bolinhas mágicas que projetam imagens de cenas futuras. O que pouca gente se dá conta é de que, na maioria dos casos, está somente a perder seu precioso tempo.
Em primeiro lugar, articulistas não são seres sobrenaturais. São seres humanos, como eu e você. Até onde a vista alcança, não há nenhum Nostradamus dando sopa por aí. Até porque, se existisse, dificilmente ganharia a vida como articulista de jornal. Preferiria apostar na jogatina do mercado financeiro.
O que os articulistas fazem é simplesmente analisar notícias e fazer projeções com base nelas. Fazem-no fundamentalmente de duas formas. Uma delas está ao alcance de qualquer um: ler o noticiário. A segunda fica um pouco mais complicada: tem boas fontes. E por “boas”, leia-se: encontram-se na alta cúpula do poder e passam informações verídicas.
Com base em um apanhado de informações, do noticiário e de suas fontes, o sujeito tenta produzir uma análise objetiva e projetar os próximos passos de uma contenda política qualquer. Sua análise – e, por conseqüência, sua credibilidade – será tanto melhor quanto melhores forem as suas fontes (pois nem todo mundo terá acesso a elas) e quanto maior for a sua capacidade de reunir, em um único panorama, diversos fragmentos de informações perdidos no espaço.
Em segundo lugar, articulistas não são – ou, pelo menos, a maioria não é – mestres em ciência política. Para fazerem projeções de futuros políticos, analisam as informações que obtém sob uma única perspectiva: qual a expectativa de poder embutida em determinado panorama?
O que pouca gente entende – e, até onde consigo enxergar, é a única grande vantagem dos articulistas em relação ao resto dos mortais – é que as projeções políticas não se dão com base no quadro atual de poder. Projeta-se sempre com base na expectativa do que vai acontecer, porque é essa expectativa que move o animal político.
Vejamos um exemplo concreto:
Em 2005, Lúcio Alcântara era um governador bem avaliado do Estado do Ceará. Sua taxa de aprovação roçava os 60%. Apoiavam-no os dois maiores líderes políticos do Estado (Tasso Jereissati e Ciro Gomes) e dispunha de maioria folgada na Assembléia Legislativa. Seu grande opositor à esquerda, José Airton (PT), que perdera a eleição por míseros 3.000 votos, caíra em desgraça após um escândalo mal explicado de uma compra de uma casa de luxo. No horizonte, portanto, não havia quem pudesse confrontá-lo.
Cid Gomes, irmão de Ciro, vinha de uma gestão bem avaliada como prefeito de Sobral. Estava sem mandato (logo, sem palanque para falar), mas enxergou nas nuvens um sentimento irriquieto de mudança. Sabia que a população estava cansada do mesmo grupo político que há 20 anos mandava no Estado. Tanto é que quase entregou a cadeira de governador a um candidato inexpressivo do PT.
Cid não se assustou com a taxa de aprovação de Lúcio Alcântara. Aquilo certamente não refletia a aprovação real da população ao seu governo, mas tão-somente o índice de pessoas que, inercialmente, tendiam a não ver defeitos em um governo sem oposição. Na hora em que alguém se dispusesse a apontá-los, o castelo ruiria.
Foi exatamente o que aconteceu. Pouco a pouco, as pesquisas de opinião indicavam a subida de Cid Gomes nas pesquisas, e a conseqüente derrocada de Lúcio Alcântara. Com a perspectiva de mudança de poder, todos os apoios que então sustentavam Lúcio Alcântara correram para as asas do grupo potencialmente vencedor das eleições. Até mesmo Tasso Jereissati, presidente estadual do partido de Lúcio Alcântara, veio a apoiá-lo disfarçadamente.
Contra todos os prognósticos iniciais, Cid conseguiu impor uma derrota no primeiro turno a um governador que pretendia a reeleição, algo inédito no Ceará e caso raríssimo mesmo no Brasil. Ganhou porque tinha a melhor plataforma de campanha? Não. Ganhou porque teve o melhor marketing? Pode até ser. Mas ganho principalmente porque soube encarnar um sentimento da população.
Um ano antes da eleição, nenhum dos articulistas locais previu semelhante coisa.
Quem achar que é perseguição contra a imprensa loca, engana-se. Basta olhar os artigos de jornalistas de todas as eleições presidenciais no Brasil desde a redemocratização até agora. Em 1988, você não encontrará nenhum deles falando de Fernando de Collor de Mello como presidente em 1989. Em 1993, Fernando Henrique Cardoso estaria somente em algum artigo menor sobre política internacional (era então um obscuro Ministro das Relações Exteriores). Em 2002, só se falava em Roseana Sarney e Ciro Gomes para a sucessão de FHC. Uma foi defenestrada da corrida após o caso Lunus. O outro defenestrou a si mesmo com sua língua durante a campanha. Nenhum dos dois chegou ao segundo turno. Nenhum articulista cravaria, um ano antes, que Luís Inácio Lula da Silva, veterano perdedor de três eleições, finalmente levaria o caneco.
Por isso, não se espante com os prognósticos políticos dos articulistas dos grandes jornais. Leia-os como quem lê horóscopo. “Amanhã, você encontrará um grande amor”.
Ou não…