A ficha que cai

Nessa semana, houve a cúpula Iberoamericana na cidade espanhola de Cádiz. Normalmente, essas reuniões destinam-se mais à rasgação de seda e ao gasto de saliva de diplomatas de lado a lado. Em outros tempos, servia também para as antigas potências coloniais – Portugal e Espanha – exibirem sua pujança econômica frente às suas antigas possessões.  Quebrados, os países latinoamericanos iam a essas conferências como um aluno que ficou de recuperação no final do ano: envergonhados e cabisbaixos.

Quem acompanha o blog já está careca de saber a opinião deste que vos escreve acerca da crise européia. Repetindo os mesmos erros que jogaram no lixo o crescimento econômico da América Latina por quase duas décadas, a Europa arrisca-se a construir as suas décadas perdidas, reprisando o drama que flagelou este lado do planeta. Tendo a Alemanha à frente da suicida política de austeridade, os países periféricos do continente europeu encontram-se numa espiral da qual é difícil enxegar saída.

O problema, também como todo mundo sabe, é a armadilha do Euro. Como são deficitários, os países europeus só teriam duas saídas: a primeira, emitir títulos da dívida ao mercado; a segunda, emitir moeda. A primeira opção foi pro espaço no momento em que o tal do mercado viu que financiar países muito endividados podia ser um negócio arriscado. A segunda nunca esteve à disposição: com o Euro, só o Banco Central Europeu pode emitir moeda. Em suma: se ficar, a dívida come; se correr, o mercado pega.

Com a política de austeridade, um problema que era essencialmente econômico – o financiamento das dívidas dos governos – passa a ser, em primeiro lugar, um problema social: desemprego, corte de benefícios sociais e recessão são apenas a faceta mais concreta do problema. Pior que isso é a fragmentação do tecido social, aquilo que verdadeiramente fazia da Europa um continente admirado e invejado no mundo inteiro. Em segundo lugar, o problema social se tranforma em um problema políticos. Governos – à direita e à esquerda – ficam presos na armadilha, a população de saco cheio não aguenta mais tanto sofrimento e o resultado é esse que está se vendo: greves, protestos e perda total das condições de implementar as tais “reformas” exigidas pelo mercado.

Nesse ponto, brilhou a presidente Dilma ao falar em alto e bom som que a política de austeridade está errada. Com muita propriedade, falou pros agora acabrunhados europeus uma verdade óbvia: espelhem-se no Brasil. Aprendam com os erros que cometemos no passado e com os acertos que praticamos agora. Não destruam o Estado de Bem-Estar Social para satisfazer a lascívia do mercado. Imponham-se.

Chegando ao sexto século de suas existências, os países da América Latina agora encontram-se na posição de ensinar lições aos seus antigos mestres.

Roga-se apenas para que, caída a ficha, tenham humildade suficiente para segui-las.

 

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