A Suíça

Minha avó costumava me contar uma história de um sul-americano que emigrara para a Europa. Em dúvida quanto ao país onde fixaria residência, o recém-chegado perguntou a um nativo sobre as características de cada povo, de maneira a tomar uma decisão bem fundamentada.

“Os ingleses são gentis e polidos”, disse o nativo. “Já os franceses são grossos e requintados”, continuou. “

E os suíços?”, perguntou o sul-americano.

“Bem, os suíços são suíços”, arrematou o europeu.

De fato, não há uma palavra na qual se possa enquadrar o povo helvético. Fechados, indiferentes, precisos, os suíços constituem, assim como sua nação, um caso diferente entre os povos do mundo. É como se não fizessem parte dele. De certa maneira, é como se observassem o resto do planeta com um misto de curiosidade e desdém. Não só tudo na Suíça é diferente, mas tem que ser diferente.

A começar pela estrutura política. A Suíça é uma confederação, isto é, um agrupamento de entidades políticas soberanas que se reúne sob uma única constituição. Na Suíça, essas entidades atendem pelo nome de “Cantões”. Embora conservem grande parte de sua autonomia, albergam-se sob uma só bandeira.

Afora a estrutura política diferenciada, também o sistema político suíço é sui generis. A Suíça é provavelmente o único país do mundo em que vigora uma democracia semidireta. Ao contrário do que ocorre no Brasil, por exemplo, em que as leis, em regra, são propostas por representantes eleitos e por eles votadas e aprovadas, na Suíça a regra é o próprio cidadão propô-las. Várias vezes por ano, os cidadãos suíços recebem em suas casas envelopes de votação, nos quais são convidados a decidir alguma proposição legislativa feita por um semelhante. Se a maioria da população do cantão aprová-la, a proposta é submetida aos demais cantões. Se a maioria destes referendá-la, a proposta é transformada em lei.

Outro ponto que chama a atenção dos visitantes é o fato de haver quatro línguas oficiais na Suíça: o francês, o italiano, o romanche e o alemão. Aliás, não o alemão, mas o Schweizerdeutsch, um dialeto corrompido do qual não se entende patavinas. A profusão de línguas deriva diretamente da estrutura política confederada, na qual cada cantão mantém suas raízes, como se constituísse um mundo à parte dentro do próprio Estado. Assim, há uma “Suíça alemã”, uma “Suíça francesa” e uma “Suíça italiana”. É de certo modo equivocado dizer que há também uma “Suíça romanche”, pois menos de 1% da população, localizado em redutos pequenos, tem essa derivação do latim vulgar como língua materna.

Como você pode adivinhar, cada qual das “Suíças” está ligada por questões geográficas à língua materna da localidade. Por isso, o cantão de Genebra, situado na fronteira com a França, fala francês.  Já o cantão de Zurique, localizado na fronteira com a Alemanha, fala o tal do Schweizerdeutsch. Por isso mesmo, o suíço é um poliglota nato. Para fazer-se entender na própria nação, precisa ser fluente em pelo menos três línguas. Isso para não falar no inglês, idioma universal e oficial de quase todas as organizações internacionais com sede na Confederação Helvética.

Uma das maiores curiosidades sobre a Suíça, contudo, reside na sua famosa neutralidade. A Suíça teve sua neutralidade proclamada na Conferência de Viena, em 1815. Estrategicamente localizada no centro do continente europeu, fazendo fronteita com praticamente todas as principais potências bélicas da Europa, a Suíça era a um só tempo um receio e uma necessidade. Receio, porque nas mãos de um inimigo, o território helvético poderia servir de ponta-de-lança para qualquer ataque militar. Necessidade, porque, mesmo em tempos de guerra, há de haver um  lugar onde as partes possam dialogar e manter uma certa normalidade sem o risco de se aniquilarem mutuamente.  Trata-se de uma característica tão arraizada no contexto geopolítico que, mesmo nas duas grandes guerras mundiais, nem mesmo os alemães ousaram invadi-la. E ela é levada tão a ferro e fogo que, até hoje, a Suíça não faz parte da União Européia. Nenhuma surpresa para quem, até 2002, não era sequer membro das Nações Unidas, embora seja uma das sedes da entidade.

Provavelmente por causa disso, a Suíça descobriu no setor bancário seu grande filão econômico. Mantendo-se alheia às guerras que espocavam à sua volta, a Suíça serviria de porto seguro para as reservas de ricos de todos os países, assim como dos próprios governos. Associando a neutralidade à garantia secular do sigilo total dos depósitos, os suíços transformaram-se em refúgio de todos os saques promovidos durante as guerras, viessem de onde viessem os bens saqueados. Não à toa, até outro dia era possível encontrar dentaduras de ouro extraídas de judeus nos campos de concentração “depositadas” em bancos suíços.

Mas a Suíça não é só bancos. É também canetas, relógios e, claro, queijos e chocolates. Aproveitando-se do alto nível de instrução de seu povo e também da geografia privilegiada para a criação de vacas, os suíços desenvolveram produtos de ponta em vários setores tecnológicos e no setor de alimentos. Assim como seus habitantes, os produtos suíços são, por assim dizer, únicos.

Quem quiser conhecer a Suíça deve estar preparado para gastar muito, mas muito dinheiro. Fora as coisas por lá serem naturalmente mais caras, o franco suíço não ajuda muito na hora da conversão. É uma das moedas mais valorizadas do globo.

O fato de ser um país pequeno ajuda, contudo. Quem tiver disposição, pode e deve alugar um carro, para ir parando de cidade em cidade, como se estivesse passeando pelos bairros de uma grande metrópole. Em um só dia, pode-se sair de Genebra, ir a Vevey, almoçar em Lausanne, pegar o trem do chocolate em Montreux e voltar a tempo de jantar em Genebra.

Pois é…A Suíça é a Suíça. Se você quiser saber o que isso significa, vai ter que ir lá para descobrir.

E eu asseguro: será uma experiência única. Pode apostar.

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2 respostas para A Suíça

  1. Kurt (da Suíça) disse:

    Não se precisa de um carro para descobrir a Suíça: Tem um sistema de transporte público excellente! Consulte o horário (em inglês):
    http://fahrplan.sbb.ch/bin/query.exe/en&HWAI=JS!ajax=yes!&

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