Os monarcas do esporte brasileiro

Nessa semana vi uma das notícias mais alvissareiras dos últimos tempos. Depois de muito encenar a política do “não-é-comigo”, o Governo brasileiro finalmente resolveu acordar para o problema da perpetuação dos dirigentes das confederações esportivas nacionais. A partir de agora, somente receberá verbas públicas as federações que assegurarem rodízio de poder entre seus dirigentes e estabelecer um mínimo de democracia em seus feudos.

Pouca gente se dá conta, mas não há algo como uma “seleção brasileira”, seja de qualquer esporte. É dizer: todas as “seleções” são formadas por atletas de um determinado esporte vinculados a uma federação ou a uma confederação esportiva. E essas agremiações esportivas são todas pessoas jurídicas de direito privado. Traduzindo: pertencem aos seus “donos”, não ao povo.

No caso da “seleção brasileira” de futebol, por exemplo, trata-se da reunião de jogadores a atuar em clubes nacionais necessariamente vinculados à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). É uma entidade privada, movida por interesses privados, alguns deles muito, mas muito distantes mesmo do interesse público.

Ainda assim, por razões que só o jogo político conhece, essas entidades privadas são fartamente financiadas e subsidiadas pelo Poder Público. Além das inversões diretas de dinheiro, uma parte do percentual arrecadado com a venda de jogos de loteria é repassado para essas associações. Ou seja: o meu, o seu, o nosso rico dinheirinho é destinado a alguns poucos cartolas que decidirão o que fazer com ele.

Curiosamente, as mesmas associações que reclamam a “falta de investimento” do Governo no esporte negam-se a prestar contas aos poderes públicos. Aliás, a natureza particular das entidades é sempre destacada quando algum parlamentar mais atuante vem falar em CPI sobre alguma delas. Querem o dinheiro público, mas não querem ser fiscalizados.

Pra piorar a situação, a imensa maioria dos dirigentes do esporte nacional perpetua-se no poder de uma forma só comparável à monarquia. Entram em determinada idade e ficam no cargo até morrerem ou serem depostos. Em alguns casos, a sucessão obedece a ritos de consangüinidade que fariam corar o mais realista dos reis. Vejamos um caso emblemático: João Havelange.

Jean-Marie Faustine Godefroid Havelante passou quase 20 anos como presidente da CBD, precursora da CBF. De lá só saiu para ser Presidente da Fifa, em 1974. 15 anos depois, “nomeou” seu genro para Presidente da CBF. Desde 1989, Ricardo Teixeira mandava e, sobretudo, desmandava na entidade. De lá só foi deposto este ano, com acusações de suborno em seu encalço.

Pra quem pensa que esse tipo de hábito está restrito ao futebol, basta lembrar do boicote que Gustavo Kuerten promoveu à Confederação Brasileira de Tênis ao se negar a jogar pelo Brasil na Copa Davis. O mote era o mesmo: Nelson Nastás era presidente da CBT desde 1994. Em 2003, sem ver qualquer resultado concreto da ascensão do tênis no cenário nacional, algo naturalmente esperado com a subida de Guga a 1º do ranking mundial, ele, Flávio Saretta e Jaime Oncins decidiram que só voltariam a jogar pelo Brasil quando Nastás abandonasse o cargo. Depois de um ano e o Brasil despencar para a 3ª divisão do tênis mundial, Nastás cedeu e saiu.

Por menos não fica também o Comitê Olímpico Brasileiro. Carlos Arthur Nuzman assumiu a  presidência do COB em 1995. Desde então, foi reeleito um sem número de vezes, e recentemente chegou-se até a promover uma alteração estatutária de modo a permitir sua permanência no cargo.

Evidentemente, esse tipo de perpetuação em nada contribui para o desenvolvimento do esporte. O que acontece é a imposição de uma engrenagem que, de um lado, sorve o dinheiro público injetado nas confederações e, do outro, faz com que burocratas do esporte – a grande maioria ocupante de cargos sem remuneração – fiquem milionários. Enquanto isso, o esporte de base fica à míngua, mendigando um caraminguá qualquer para tentar encontrar talentos.

Impor a alternância de poder nas confederações é o primeiro passo para acabar com os monarcas do esporte. Republicanizando-o, é possível que as gerações futuras experimentem um futuro bem mais promissor do que aquele que se avizinha para 2014 e 2016. É mudar pra ver.

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