O asilo a Assange, ou As ironias do mundo

Hoje saiu a confirmação de que Julian Assange, fundador do Wikileaks, foi agraciado com asilo diplomático pelo Equador. Residente na Inglaterra, Assange teve sua extradição requerida pela Suécia. Alega-se que ele responde pelo crime de estupro de duas mulheres. Assange teria feito sexo sem camisinha, o que, para os suecos, é um tipo de estupro.

No ano passado, quando a perseguição a Assange começou, escrevi um post sobre o tema. Dizia eu então que o poderoso Império Britânico, onde outrora o sol não se punha, capitulara diante de sua cria mais mais brilhante, os Estados Unidos. A questão não era a extradição para a Suécia. Era a futura extradição para os EUA, onde Assange ficaria entre uma de duas opções: ficar o resto da vida preso em Guantánamo sem julgamento; ou ser julgado por alta traição e morrer numa maca por injeção letal.

Desde aquela época, portanto, a roteiro da farsa já estava dado: os ingleses extraditariam Assange para a Suécia, ele amargaria uns poucos anos de cana por lá, só o tempo suficiente para que os americanos ingressassem com o pedido de extradição de Assange para morrer no Novo Mundo.

Não custa lembrar que Bradley Manning, o militar americano acusado de fornecer os relatórios publicados no Wikileaks, já amarga 800 dias de verão guantanamero sem direito a julgamento.

Ingleses e americanos não contavam, contudo, com a astúcia de Assange. Na calada da noite, fugiu de casa e escondeu-se na embaixada do Equador em Londres. Lá pediu asilo a um desses projetos de ditador latino-americano chamado Rafael Correa. Assange sabia o que estava fazendo. Afilhado político de Chávez, Correa vive às turras com os americanos. Até embaixador americano já expulsou de lá. Era só somar 2 com 2 para descobrir que o pedido de asilo seria concedido.

Por uma dessas peças pregadas pelo destino, Rafael Correa, o projeto de ditador, posta-se agora como defensor de um refugiado político. Os americanos, um dos países mais livres e democráticos do mundo, agora estão na posição de inimigos da liberdade de imprensa e das garantias individuais do cidadão.

Como Poodle Toys estridentes, cujo latido maltrata os ouvidos, os britânicos dizem que não vão conceder salvo-conduto a Assange para sair da Embaixada. Segundo eles, no momento em que pisar fora do solo equatoriano (ou seja: sair da representação diplomática), Assange será preso e extraditado. Negam-se, assim, a dar ao jornalista australiano o direito de liberdade de locomoção expresso no art. 26 da Convenção das Nações Unidas sobre os Refugiados, segundo o qual “os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados”, nem tampouco “aplicarão às deslocações desses refugiados outras restrições além das necessárias”, sendo que “essas restrições só se aplicarão enquanto se aguarda a regularização do estatuto desses refugiados no país de acokhida ou que os refugiados obtenham entrada noutro país”.

Pra piorar, os ingleses ainda ameaçam morder como um Pitbull, ao afirmar que podem eventualmente “revogar” o status diplomático da embaixada e prender Assange lá mesmo. Esquecem-se de que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas estabelece que as sedes das missões diplomáticas “são invioláveis”, ou seja, “os agentes do Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe da missão”. Episódio semelhante só encontra paralelo na invasão e seqüestro dos diplomatas da embaixada americana em Teerã, após a revolução dos aiatolás.

Ficamos, portanto, em uma situação em que Rafael Correa é democrata, os americanos são opressores da liberdade de imprensa e a Grã-Bretanha candidata-se a ser um Irã com pedigree.

Como diria Morpheus, fate, it seems, is not whithout its sense of irony.

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2 Responses to O asilo a Assange, ou As ironias do mundo

  1. Avatar de Erich von Manstein Erich von Manstein disse:

    Só uma correção: ele nunca poderia ser julgado por traição nos EUA, pois ele não é americano.

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