Causou furor nas redes sociais na última semana um vídeo do programa Seleção SporTV. Nele, o historiador, professor e compositor Luís Antônio Simas, diz o seguinte:
“A história do Vasco da Gama era para ser estudada em colégio”.
E não só isso:
“Se as crianças brasileiras aprendessem em História a história do Vasco da Gama, eu acho que a gente (os brasileiros) ia estar numa situação melhor”.
Foi o que bastou para que a horda da urubuzada flamenguista viesse abaixo com reclamações e xingamentos contra o programa, contra o comentarista e contra a programação dominical da televisão brasileira. Houve até quem sugerisse que o vídeo tivesse d’algum modo sido “induzido” pela produção, como uma resposta da Globo ao Flamengo. Para quem não sabe, a emissora carioca e o clube da Gávea travam, desde o ano passado, uma acirrada disputa pelo dinheiro dos direitos de transmissão das partidas, como direito até a MP editada pelo governo contra a Nave-Mãe (o Flamengo alegava estar em “outro patamar”, o que, a preços de hoje, pode não ser exatamente um bom negócio, mas deixa pra lá).
Mas por que o comentário do Simas suscitou tanta polêmica em um ambiente tradicionalmente por discussões tão fúteis quanto estéreis sobre “foi ou não foi pênalti?”, “estava ou não estava impedido?”
A conclusão de Simas deu margem a tanta briga porque, no fundo, trouxe um monte de verdades que, por uma razão ou por outra, acabaram esquecidas nesse mundinho miúdo ao redor do qual gira o futebol brasileiro.
Fundado como clube de remo em 1898, o Vasco só veio a ter um departamento de futebol no século XX, por volta de 1916. Além de ser tradicionalmente um clube de imigrantes – uma população naturalmente marginalizada em qualquer país – , o Vasco fez algo revolucionário para os padrões da época: admitia qualquer em seu time; bastava saber jogar bola. Portugueses, pobres, operários e – suprema heresia – negros e mulatos eram admitidos sem restrições ao escrete do esporte bretão. Contanto que soubessem manejar a bola com os pés, estava tudo certo.
Pode parecer piada, mas, naquela época, futebol era um jogo de elite. Os três grandes da época, todos eles, tinham (e ainda têm) suas sedes em bairros nobres do Rio: o Flamengo na Gávea; Botafogo em Botafogo; e o Fluminense das Laranjeiras. O Vasco, porém, só foi encontrar abrigo na periferia da então capital federal, entre a Ponta do Caju, Benfica e Santo Cristo. Mesmo quem se arriscava a aceitar “plebeus” no time fazia-o à sorrelfa, como o time do Fluminense, que obrigava seus mulatos a colocar pó-de-arroz no rosto para disfarçar a cor da pele.
Por óbvio, quando esse time de pretos e pobres foi enfrentar os times da “elite”, o resultado não poderia ser outro: uma sova histórica. O Vasco atropelou todos os times do Rio logo na sua estréia da primeira divisão do carioca. É exatamente esse título de 1923 ao qual Simas se refere no vídeo acima.
A rebordosa foi imediata. Acusando o golpe, os três grandes do Rio abandonaram a liga metropolitana carioca e formaram uma outra, excluindo o Vasco da competição. Os argumentos eram estapafúrdios. O primeiro, que seus jogadores tinham “profissão duvidosa”. O segundo, que o time não possuía estádio próprio para receber os adversários (coisa que nenhum dos três grandes têm até hoje).
Como eram “bonzinhos”, enviaram uma carta ao Presidente do Vasco dizendo que aceitariam a inclusão do time no campeonato, desde que ele excluísse do escrete doze de seus jogadores (todos negros). Em um “officio” que ficaria conhecido para sempre como “Resposta Histórica”, o Presidente do Vasco literalmente mandou os três grandes do RJ irem pastar:
“Resolvida” a questão dos negros do time, restava erguer um estádio. Valendo-se de uma espécie de percursor do crowdfunding, o Vasco da Gama reuniu a comunidade, sócios e torcedores para juntar dinheiro com vistas à construção de estádio. Pois, senhor, o dinheiro veio, e veio de sobra. Não contente em construir “apenas” um estádio para chamar de seu, o Vasco ergue o que seria, até a construção do Maracanã, o maior estádio de futebol do Brasil: São Januário. E é exatamente por isso que o Vasco é, hoje e desde sempre, o verdadeiro time mais popular do Brasil.
Simas, portanto, tem razão. Em um mundo no qual vidas negras continuam a ser segredadas e assassinadas covardemente por brancos em posição de poder, o Vasco representa não só a história mais linda do futebol brasileiro. Ele é um “patrimônio da cultura do mundo”.